Ajudar a comunidade através da Igreja
Durante a semana que antecedeu a Jornada Mundial da Juventude, os 140 peregrinos mexicanos e guatemaltecos que estavam em Borba chamavam-lhe “a Marta faz tudo” ou “a Marta que nunca se cansa”. Começava às seis da manhã e só se deitava às duas. Mesmo assim, ainda seguiu para Lisboa, para mais uma semana a dormir pouco e ao relento. Porque, além de voluntária, Marta Falcato, de 21 anos, tem uma ligação à religião, como praticante e como parte da organização de atividades. “Durante o 12º ano fui convidada pelo padre Ricardo para dar catequese aos miúdos de seis e sete anos. Explicávamos o que era o Natal e a diferença entre Deus e Jesus. Alguns portavam-se muito mal e fugiam pela igreja… mas a pandemia acabou com isso mais cedo”, conta. Foi nessa altura que, com outros voluntários, se criou um “grupo para rezar o terço por Zoom”, diz, sorridente. E mesmo quando veio para a faculdade, em Lisboa, foram muitos os fins de semana em que ia para Borba ajudar em festas da igreja. “Isto sempre fez parte de mim e se não tivesse nada sentia um vazio. Já tive de recusar coisas, e foi difícil, porque estas coisas não me cansam. Já no secundário estive na organização da viagem de finalistas e na faculdade fui convidada para organizar o FISTA, a feira de emprego da Escola de Tecnologias e Arquitetura do ISCTE, que demorou um ano a preparar. Deu muito trabalho, mas correu mesmo bem”, conta com um suspiro de alívio e satisfação.
Benjamim Espiguinha, 52 anos, conhece bem esta força de Marta. Ambos nascidos e criados em Borba, conheceram-se nas atividades da igreja, às quais Benjamim dedica agora a maior parte do tempo livre que tem quando não está no seu escritório de contabilidade. Aos domingos de manhã dá catequese aos miúdos de seis anos, canta no coro e faz parte da irmandade que organiza a parte religiosa das Festas do Senhor Jesus dos Aflitos. No dia de uma das procissões, foi vê-lo a sair do coro, vestir a alva roxa por cima da camisa branca e visualizá-lo a correr de um lado para o outro, a garantir que estava tudo a postos para começar. “Parado é na praia e tenho noção de que, se as pessoas deixam de ter disponibilidade para estas coisas, elas morrem”, afirma. Por isso é que fez parte da direção dos bombeiros, onde ainda está, mas “no papel menos ativo” de presidente da assembleia, e esteve oito anos como presidente do Borbense, que vive de apoios, mas onde, mesmo que os pais não pudessem pagar, “não recusavam ninguém”. “Foi o que me deu mais dores de cabeça e mais prazer, porque sempre estive ligado ao desporto e ali acompanhava a equipa dos mais jovens, dos benjamins”, explica, sorrindo.
Mudar o mundo um passo e um gato de cada vez
Rita Trindade e Ana Sofia Alfaia conheceram-se nas aulas de ballet: Rita era a professora e Ana Sofia a aluna, na altura com 13 anos e “com o cabelo preto e roxo”. Hoje, com 31 anos e cabelo castanho, já não dança tanto quanto gostava porque divide o tempo entre a profissão (dar aulas de Ciências e Biologia) e a Quatro Às, uma associação, criada em 2017, que se dedica ao resgate, esterilização e adoção de gatos. “O ano passado não fiz férias porque não havia ninguém para tomar conta dos gatos. Somos nove pessoas, mas aqui no abrigo, em Alpalhão, somos quatro. É um emprego a tempo inteiro, não remunerado”, repara. Mas que compensa: “Já esterilizámos e devolvemos à rua ou demos para adoção 120 gatos. Até tivemos uma senhora que veio de propósito do Porto a Portalegre para adotar um gatinho que só tinha um olho”, conta. E tudo sem apoios oficiais. “Vivemos de rifas e donativos e temos um acordo com a VetCrato, mas também já fui operar à Covilhã, porque fizeram um bom preço.”
Rita, que há 17 anos se mudou de Lisboa para Alter do Chão, também consegue desconto quando aluga o Cineteatro para o espetáculo de dança que organiza no final do ano letivo. “Não sou uma associação e é mais difícil arranjar apoios”, explica. Por isso é que já teve de pagar o autocarro que, pelo menos duas vezes por ano, leva a Lisboa as quase 50 alunas do estúdio de dança que ali abriu há 12 anos. “O ano passado fomos ver o Sambé ao São Carlos e depois fomos passear pelo Chiado. O meu objetivo é criar pontes entre o interior e o litoral e dar aos miúdos oportunidades que não teriam”, refere. Seja fora ou dentro de Alter, como a competição Portugal a Dançar: “Em 2023 foi cá porque eu sugeri.” O que acabou por ser bom para todos. “Até a dona Rosalina do café já me pergunta quando vou ter mais espetáculos.”
Comunicar em indiano e bengali
Nora Araújo, 49 anos, trabalha desde janeiro deste ano na farmácia da Zambujeira do Mar, que, com um pequeno gesto, se tornou num porto de abrigo dos indianos e bengalis que trabalham nas estufas. “Não sabem falar português e falam mal inglês, então tivemos de arranjar forma de comunicar. Usamos o tradutor do Google, mas às vezes tem de ser por gestos ou desenhos. Afixámos os preços dos testes (tensão ou glicemia) em indiano e bengali, com os carateres e tudo, e eles sentem que aqui não são enganados e vêm cá à procura de ajuda. Até já fizemos marcações de exames”, conta.
Em menos de seis meses, Nora — que nasceu em Chaves e trabalhou em todo o país — já conhece bem esta nova comunidade e os costumes da vila. Chegou mesmo a participar nas marchas da Associação Recreativa Zambujeirense, que o novo presidente, José Silva, recuperou este ano. “Não se fazia lá nada e, além das marchas, já fizemos dois bailaricos e uma sardinhada”, refere. Com 74 anos e uma vida cheia, não foi difícil convencerem-no a assumir o cargo que ocupa há apenas quatro meses. “Desde 1979 que faço parte de organizações populares”, primeiro em São Teotónio, onde há mais de 40 anos tem uma pequena loja de arranjos, e agora na Zambujeira do Mar, onde vive há 30 anos.
Pessoas mais felizes
No primeiro ano procurámos ideias para tornar os bairros mais felizes. No segundo, os bairros mais felizes. Agora procuramos as pessoas mais felizes com os seus bairros. Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso é media partner do projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias.
Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de setembro de 2023