Bairro Feliz

“Endireitar” vidas é possível com ajuda das comunidades

Cidadania: depois de anos a fio a viver nas ruas, Jorge Ferreira conseguiu uma casa, um emprego, estabilidade financeira e até aprendeu, aos 50 anos, a ler e a escrever. Este é apenas um entre muitos outros rostos anónimos impactados por seis iniciativas locais que o Expresso - em colaboração com o projeto Bairro Feliz, desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias - foi conhecer nos distritos de Leiria, Coimbra e Aveiro

A chave que dá acesso a uma nova vida

Jorge Ferreira e Lisete Cordeiro (Leiria)

Jorge Ferreira, 50 anos, é o primeiro rosto que encontramos ao entrar na InPulsar — associação que lançou em 2020 um programa de habitação para pessoas em situação de sem-abrigo em Leiria. “O Morada Certa privilegia o acesso direto a uma casa individual e só depois é que trabalhamos para resolver os desafios sociais de cada um”, conta Lisete Cordeiro, responsável pela iniciativa. Ao transitar da rua para dentro de quatro paredes, o passo seguinte passa por encontrar um emprego e garantir estabilidade financeira. Foi o que aconteceu com Jorge, que não sabia ler ou escrever até ter achado o apoio necessário na InPulsar. “Todos eles [funcionários da instituição] são família para mim”, admite. Hoje, três anos após ter aberto a porta de casa pela primeira vez, Jorge trabalha como jardineiro, continua a estudar e tem “a vida endireitada”.

São 15 as casas e os sem-abrigo já ajudados pela associação, com os participantes no projeto a pagarem “uma renda de 30% daquilo que auferem”, complementa Lisete Cordeiro, que aproveita para esclarecer que o restante financiamento tem origem em apoios do Estado e de privados. ​No futuro, Lisete gostaria de reunir cinco habitações adicionais para prosseguir com a missão de auxílio à população sem-abrigo. Já Jorge, apesar de estar de férias, confessa que faz questão de visitar a associação para ajudar no que for preciso: “Sinto-me bem aqui.”

Desporto solidário

Ligar a promoção da prática de exercício físico ao contributo para causas sociais era a visão dos fundadores da Mesh Nazareth, que encontramos mesmo no coração da vila, com o mar como pano de fundo. “Precisávamos de fazer alguma coisa para pôr a Nazaré a mexer, e por isso juntámos amigos para formar este projeto”, resume o presidente, Fernando Esperança, que tem ao seu lado uma vitrina com taças e medalhas de provas desportivas, como o Mesh Nazareth Trail, que a associação organiza anualmente. “Todos os nossos eventos têm sempre uma causa social nazarena. Procuramos situações para as quais possamos contribuir e tem corrido muito bem”, partilha Andreia Cordeiro, líder do Conselho Fiscal.

O sucesso das atividades mede-se não apenas em participantes, mas sobretudo através do impacto positivo na comunidade, seja através da compra de veículos e equipamento para o corpo de bombeiros local ou de cadeiras de rodas elétricas para crianças com problemas motores. O próximo evento já está previsto para o início de 2024: o Desafio à Ladeira, corrida contrarrelógio que tem como objetivo a subida da Ladeira do Sítio da Nazaré, é mais uma oportunidade para apoiar nova causa local.

Fabricar artistas e empreendedores

António Baio Dias e Arabela Fabre (Coimbra)

O Lufapo Hub consiste num ‘ninho’ de startups agregado a um ateliê de criação artística que ganhou forma com a recuperação de um antigo complexo industrial no Bairro do Loreto, em Coimbra. “A história da fábrica está ligada à cerâmica e quisemos encontrar uma forma de dar continuidade a essa componente”, aponta Arabela Fabre, uma das responsáveis, durante a visita. A vontade de preservar a tradição e promover a cultura levou à criação de zonas dedicadas às artes, onde se encontra um espaço em que todos podem exprimir-se livremente e dedicar-se ao trabalho criativo em comunidade. O custo de arrendamento é adaptado à capacidade dos inquilinos, que não são apenas conimbricenses, mas também de outras regiões do país e até de outras geogra­fias. “O próximo passo é criar residências artísticas, temos já um projeto em aprovação”, acrescenta o líder do projeto, António Baio Dias.

Alimentar causas sociais

Em pleno centro da cidade, nas traseiras do Mercado Municipal, encontramos a Cozinha Solidária. O projeto nasceu no pico da crise financeira de 2011, continuou a funcionar durante a pandemia e ainda hoje é o porto de abrigo para dezenas de famílias carenciadas em Coimbra, e não só: “Muitas das pes­soas que nos pedem ajuda são estudantes universitários”, explica Jorge Alves, presidente da Associação Integrar, a entidade que gere o projeto. Todos os dias a instituição entrega 85 refeições prontas, preparadas por voluntários e funcionários. “A Segurança Social comparticipa 40% do custo de algumas refeições, o resto somos nós que assumimos e financiamos como podemos”, assume. O impacto é visível e algumas das pessoas apoiadas voltam mesmo mais tarde para devolver à comunidade o que antes receberam. “Somos a única instituição deste género que nunca fecha, estamos sempre aqui de porta aberta”, reforça Jorge.

Restaurar o respeito pela natureza

Inês Pimentel e Sofia Jervis (Aveiro)

Fomos encontrar Sofia Jervis e Inês Pimentel, da Associação Bioliving, numa encruzilhada de caminhos de terra batida nos arredores de Aveiro. “Este foi o nosso primeiro terreno”, aponta Sofia, que explica como restauraram a floresta tradicional portuguesa naquele espaço ao longo dos últimos anos. Já são sete os aniversários da instituição, que sensibiliza para a proteção da natureza e promove ações de limpeza e workshops, a que se junta o programa de ciência cidadã Vaca-Loura, que faz monitorização desta espécie protegida de escaravelho, considerada o maior inseto da Europa. “Já conseguimos aumentar em 400% esta população”, destacam estas duas orgulhosas guardiãs da biodiversidade.

Cidadania ativa

Natasa Golosin era jornalista em Belgrado antes de chegar a Portugal, em 2008, onde se apaixonou por Aveiro. Foi ali que criou, em 2010, a Agora Aveiro, uma iniciativa movida por jovens da região. Já implementaram mais de 40 projetos de Erasmus, plantaram seis mil árvores e criaram a icónica escadaria I Love Aveiro, no centro da cidade, pintada com arte urbana. “Estamos a promover a cidadania (mais) ativa, principalmente nos jovens”, afirma. E isso traduz-se em ações ligadas à proteção ambiental e à promoção da cultura local, mas também, por exemplo, na organização anual das TEDxAveiro.

O que é o Bairro Feliz

O projeto

O Bairro Feliz tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais públicas ou privadas (associações, IPSS, fundações, cooperativas) ou grupos de vizinhos até cinco pessoas inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros.

As ideias

Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; e saúde, bem-estar e desporto. Estas são analisadas por um painel de jurados que faz uma primeira seleção e depois as leva a votação popular nas lojas.

O prémio

Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o seu projeto.

Os prazos

As candidaturas terminaram a 4 de julho e são avaliadas pelo júri até 9 de outubro. As votações nas lojas vão de 10 de outubro a 25 de novembro, dia em que serão também anunciados os vencedores.

Saiba mais

AQUI. E acompanhe no Expresso e na SIC.

Pessoas mais felizes

No primeiro ano procurámos ideias para tornar os bairros mais felizes. No segundo, os bairros mais felizes. Agora procuramos as pessoas mais felizes com os seus bairros. Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias.

Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de agosto de 2023