Acelerador de Sustentabilidade

As linhas que cosem a moda sustentável

Indústria. Portugal exporta a maior parte da produção têxtil para a Europa e Estados Unidos, mas o país quer 
subir na cadeia de valor. Aposta na produção verde é crucial para aumentar o reconhecimento internacional

Milhões de metros cúbicos de água, autênticas ilhas de roupa usada e exploração de trabalho infantil. Esta é uma fatura resumida do verdadeiro custo da fast fashion e da ultrafast fashion que, em troca, oferecem aos consumidores peças de vestuário baratas em grande variedade. Estima-se, por exemplo, que a Shein, marca e plataforma de roupa com origem na China, acrescente diariamente milhares de novos artigos à sua loja digital. “O fast fashion tem um peso bastante mais significativo do que a moda sustentável no negócio global”, reconhece Hermano Rodrigues, consultor da EY.

A pegada carbónica da indústria da moda foi o tema central da 6ª e última sessão do Acelerador de Sustentabilidade, que juntou, em Barcelos, dezenas de empresários portugueses. Embora a roupa ‘descartável’ continue a dominar o mercado, o seu ritmo de crescimento médio anual é, de acordo com dados apresentados pela EY, inferior ao crescimento da moda sustentável. “A aposta em produtos mais sustentáveis irá encontrar, tendencialmente, maiores oportunidades”, assegura Hermano Rodrigues.

Essas oportunidades surgem numa altura em que os consumidores são cada vez mais exigentes no respeito por princípios de sustentabilidade e estão dispostos a pagar até 20% mais por essa garantia. Recorde-se que, todos os anos, a indústria da moda consome 79 mil milhões de litros cúbicos de água — só para produzir uma T-shirt de algodão são necessários mais de 2500 litros.

Um dos grandes desafios é, por isso, garantir que o cliente final saiba separar o trigo do joio e, para isso, são precisos dados. “Todos os produtos vendidos na Europa vão ter de ter um Digital Product Passport e o PEF — Product Environmental Footprint”, destaca Mário Jorge Machado. O presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) refere-se a duas medidas da Comissão Europeia para aumentar a informação disponibilizada aos consumidores sobre a origem dos produtos, os materiais que os compõem e a forma como são produzidos. “As marcas vão ter de ser transparentes. Têm estado pouco interessadas na transparência do seu processo de fabrico”, critica.

Produzir uma t-shirt de algodão implica mais de 2500 litros de água. Todos os anos são gastos mais de 80 mil milhões de metros cúbicos no sector

O passaporte digital, por exemplo, permite “nivelar o terreno de jogo” entre as empresas de têxtil e vestuário europeias e os seus concorrentes internacionais que produzem fora da Europa. “Chega de sermos obrigados a cumprir um determinado tipo de regras e quem produz fora da Europa tem outras regras e vende no nosso mercado com vantagens competitivas que são inaceitáveis”, reforça Mário Jorge Machado.

De acordo com dados da ATP, a produção têxtil e de vestuário em território nacional gerou, em 2022, um volume de negócios superior a €8,6 mil milhões e exportou cerca de €6,1 mil milhões, o valor mais alto de sempre. Espanha, França e Alemanha são os três principais mercados de destino, seguidos dos Estados Unidos. “Há muitas marcas americanas que, neste momento, estão a procurar comprar mais em Portugal com esta guerra que existe entre os EUA e a China”, afiança o presidente.

Por cá, tudo parece a postos para responder a esse aumento de procura, garantem os empresários: há boas práticas ao nível ambiental e social, há qualidade da produção nacional e vantagem competitiva nas energias renováveis. Mas também há que resolver alguns dos principais obstáculos ao maior crescimento do sector: burocracia, taxas e falta de mão de obra.

Desperdício gera peças eternas

Contudo, é na subida da cadeia de valor que o país enfrenta maior dificuldade. Através da diferenciação pela qualidade, sustentabilidade, inovação e personalização, “as indústrias de moda portuguesas podem reposicionar-se para o topo, com maior reconhecimento entre os clientes e maior presença nos mercados internacionais sofisticados”, sugere Hermano Rodrigues. Para isso é preciso apostar na “diferenciação pela qualidade, sustentabilidade, inovação e personalização”.

Vera Fernandes detesta ser empresária e prefere dedicar-se ao design de moda, uma paixão que aprofunda, “à séria”, desde 2018. “Criei uma marca que diziam que produzia sacos de batatas, porque ninguém percebia o conceito dos vestidos”, explica, lembrando que as suas coleções têm tamanhos únicos que servem a todos os corpos. E esse é apenas um exemplo de como a Buzina nasceu sustentável, não pelas preocupações ambientais, mas por necessidade. “Não tinha orçamento, não podia comprar grandes quantidades de tecido. Fui à Riopele, que permite comprar coleções anteriores e tecidos que estão parados, e foi assim que comecei”, recorda.

Vera passou a usar sobras e desperdícios de tecidos, incluindo de cortinados, para produzir peças desenhadas e produzidas em Portugal e com coleções intemporais. “Continuo a produzir modelos de 2018, mas com pequenas diferenças. As peças são eternas”, sublinha a designer de moda. Toda a produção da Buzina faz-se num raio de 30 quilómetros à volta de Joane, em Vila Nova de Famalicão, e a sustentabilidade vive-se em todas as etapas — no aproveitamento de matéria-prima, na remuneração justa das costureiras e até nas embalagens para o envio de encomendas, que usam restos de tecido e outros materiais.

João Batista Loureiro, sócio dos Armazéns Têxteis Maria Emília, dedica-se ao comércio grossista de têxteis há quase 25 anos e orgulha-se de ter hoje um negócio rentável e afamado na região. Nas suas instalações, o desperdício de fio é reduzido ao mínimo possível e foi durante a sessão do Acelerador de Sustentabilidade que o empresário encontrou uma nova parceira: Vera Fernandes. Os restos de uns são a matéria-prima de outros e quem ganha é o planeta. “Aquilo é que é ser verdadeiramente sustentável”, diz Batista Loureiro em referência à Buzina. A colaboração é apontada como essencial para tornar o cluster da moda mais competitivo a nível internacional. “Tem de haver cada vez mais trabalho de equipa entre todas as empresas”, aponta Francisco Matos, administrador do BPI.

O acelerador das empresas

Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso, com o apoio do BPI, ativou o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver código de conduta online), sem interferência externa.

Como a moda se está a tornar sustentável

VENDER ROUPA EM SEGUNDA MÃO

São cada vez mais as marcas que apostam na venda de vestuário usado


REAPROVEITAR TECIDOS VELHOS

Uma T-shirt rasgada pode ser usada para produzir uma nova peça


APOSTAR NA PRODUÇÃO LOCAL

Manter o fabrico próximo do mercado é essencial para reduzir emissões


PRODUZIR COM ALTA QUALIDADE

Ao invés de fast fashion, a tendência é produzir roupa durável e de qualidade


REDUZIR A UTILIZAÇÃO DE ÁGUA

Hoje é possível reduzir o consumo de água em 50% no fabrico de vestuário


REPARAR PEÇAS ANTIGAS

Arranjar e personalizar peças de roupa é uma forma de reduzir a pegada ambiental


UTILIZAR NOVOS MATERIAIS VERDES

Substituir algodão convencional por orgânico permite poupar água na produção


SUBSTITUIR QUÍMICOS TÓXICOS

Novas técnicas de tingimento permitem evitar químicos e poupar recursos