Acelerador de Sustentabilidade

Semáforo para as cidades inteligentes está verde

Digitalização. Tecnologia já é usada para gerir o trânsito, os transportes públicos e até para evitar o desperdício da água. Caminho para a sustentabilidade precisa de inovação, mas também de mudar mentalidades, apontam peritos

Dois terços da população mundial viverão em cidades até 2050, prevê a Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta altura somos já mais de 8,1 mil milhões de habitantes na Terra.

A pressão adicional para as metrópoles é evidente: mais resíduos, mais consumo de recursos, e sobrecarga dos serviços públicos. A resposta para o desafio parece estar, em parte, no conceito de cidade inteligente, já responsável por um mercado global avaliado em mais de €1 bilião, segundo contas da IDC.

Não falamos de cidades ao estilo “Blade Runner”, mas antes de territórios inteligentes, detalhadamente otimizados, eficientes e, acima de tudo, úteis para os cidadãos. Miguel Amado, da consultora EY, explica que o objetivo fundamental é a utilização de “dados e inovação para otimizar serviços urbanos, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e promover o uso eficiente dos recursos”. O especialista falava durante mais uma sessão do Acelerador de Sustentabilidade, desta vez em Braga, dedicada ao tema das smart cities e que juntou dezenas de empresários para uma reflexão sobre as oportunidades e os desafios nesta área.

O conceito de cidades inteligentes não é uma novidade, mas é cada vez mais uma ferramenta indispensável para o caminho da sustentabilidade que todos procuram. Alcançar a neutralidade carbónica exige territórios mais conectados, sensorizados e capazes de responder, em tempo real, aos principais desafios da população.

Tecnologia que poupa o ambiente

Mais do que cenários futuristas, nesta sessão de capacitação falou-se sobre como estão hoje as cidades portuguesas a adaptar-se a uma nova forma de gerir o território e sobre o papel das empresas neste percurso. “Na área da mobilidade temos trabalhado muito com o sector privado”, afirma o vereador da Câmara Municipal de Braga. João Rodrigues refere-se ao pacto de mobilidade empresarial que a autarquia firmou com a economia local com vista à redução de emissões na cidade — ora por via do incentivo ao teletrabalho, ora pela flexibilidade nos horários de entrada e saída, ora pela aposta nos transportes públicos.

Se à primeira vista podem parecer chavões, um segundo olhar mostra que há, já hoje, projetos em Portugal com aplicação real. Presente na sessão de capacitação, Nuno Oliveira, administrador da Soltráfego, conta que a empresa é responsável pela transformação de semáforos tradicionais em versões inteligentes em Braga, mas também em Lisboa e no Porto. É a cidade Invicta que “está mais avançada” e é também ali que está a nascer o metrobus com “um sistema que será implementado em Portugal pela primeira vez”.

Na cidade do porto, o trânsito é gerido através de algoritmos de inteligência artificial que se adaptam em tempo real

Nuno Oliveira explica que os sensores e câmaras colocadas em semáforos, combinados com dados sobre trânsito, meteorologia ou até eventos culturais, permitem uma orquestração na gestão de tráfego que se adapta à medida das exigências de cada momento. “É possível decidir que há um semáforo que tem de ficar verde porque aquele autocarro está atrasado e tem prioridade”, exemplifica.

Isto é possível graças à utilização de algoritmos de inteligência artificial e machine learning, que pegam nos dados recolhidos pelos sensores, analisam-nos e sugerem caminhos a seguir — ou, se estiverem autorizados, tomam mesmo decisões. A “otimização do tempo” foi uma expressão algumas vezes repetida por Miguel Amado sobre territórios inteligentes, e há um bom motivo para isso. “Os dados e a tecnologia podem e devem contribuir para uma otimização do tempo”, insiste o especialista da EY.

“A verdadeira cidade inteligente é aquela em que consigo ter tudo o que preciso perto de mim”, aponta André Ferreira, do Hotel Moov. O empresário ligado à hotelaria recorda o conceito de cidade de 15 minutos, criado por Carlos Moreno, em que os principais serviços públicos, o trabalho e a cultura não distem mais do que 15 minutos da habitação.

Estratégia nacional inteligente

Além do tempo, a poupança de recursos naturais é crucial numa cidade do século XXI. A startup portuguesa FiberSight, fundada por Tiago Neves, utiliza fibra ótica — igual à usada para transportar a internet para nossas casas — para detetar fugas de água nas redes de abastecimento. Todos os anos, cerca de 30% da água é perdida ou não faturada por ineficiências da rede. “São mais de €100 milhões desperdiçados sem se saber exatamente onde. E nós podemos ajudar a reduzir esse valor”, assegura. Em sentido totalmente oposto, Lisboa tem já um sistema de prevenção de cheias, que emite alertas antecipados sobre o nível da água em vários pontos do município.

Nos hotéis, acrescenta André Ferreira, a tecnologia é colocada ao serviço da redução no consumo de água, da gestão eficiente da eletricidade e da diminuição de resíduos, mas há desafios que dificultam que as empresas vão mais longe. “Tudo isto pode ser feito com tecnologia, facilitado por políticas públicas, mas se não se mudar mentalidades e comportamentos vai ser inócuo”, perspetiva Miguel Amado. Os empresários presentes concordam e acrescentam a burocracia como obstáculo. Do ponto de vista técnico, “há desafios de interoperabilidade” e “de investimentos em infraestruturas”, continua o consultor da EY, que alerta para o “risco de acesso desigual à tecnologia”.

Ao nível das políticas públicas, o Governo anterior publicou a Estratégia Nacional de Territórios Inteligentes, financiada com €60 milhões, para potenciar a transformação do país. O documento já foi, entretanto, alterado para aumentar o envolvimento dos municípios e está em execução.

Soluções que alimentam as cidades inteligentes

Reduzir perdas de água

Utilização de fibra ótica para medir temperatura e humidade permite detetar fugas na rede





Alerta para prevenção de cheias

Sensores e análise de dados em tempo real para prevenir catástrofes





Semáforos inteligentes

IA prevê trânsito e ajusta automaticamente a sinalização para melhorar a mobilidade





Transportes públicos em rede

Autocarros, comboios ou trotinetas ligados ao mesmo sistema de gestão





Monitorizar a gestão de resíduos

Sensores nos contentores do lixo alertam quando ficam cheios, reduzindo custos e emissões de CO2





Comunidades energéticas

Ligar bairros, casas e empresas para aumentar a produção de energias renováveis e gerir a rede




Serviços públicos digitais

Permitir que cidadãos usem serviços do Estado através da internet, com vantagens económicas e ambientais





Melhor qualidade do ar

Sensores recolhem, em permanência, informação relacionada com a poluição atmosférica em cada local