No pior cenário, Portugal poderá ver reduzida a precipitação entre 30% a 40% até ao fim do século, segundo a academia. Isto significaria que cada português teria à disposição apenas 73,6 litros de água potável por dia, um valor consideravelmente abaixo da atual média de 184 litros por pessoa. Evitar este futuro distópico é um objetivo partilhado pela sociedade, mas que preocupa particularmente os agricultores.
“A terra é o mais importante para os agricultores”, aponta Nuno Góis, representante em Portugal de uma marca de tratores. O também comerciante de soluções tecnológicas foi um entre dezenas de empresários ligados à agricultura que participaram em mais uma edição do Acelerador de Sustentabilidade. A sessão de capacitação, que decorreu em Beja, procurou refletir sobre os desafios na gestão da água e identificar possíveis soluções que ajudem o país a diminuir o desperdício numa área responsável por 75% do consumo de água.
E a verdade é que há muito por fazer. De acordo com os dados oficiais disponíveis, cerca de 30% da água da rede pública de abastecimento não é faturada — seja porque é perdida por via de fugas e outros problemas técnicos, seja por falta de cobrança efetiva. As consequências são claras e estão identificadas pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que tem, ao longo dos anos, instado as empresas gestoras a aumentar a eficiência e o investimento na rede. “Tem havido algumas falhas em termos de investimento [nesta área] no Alentejo”, lamenta Susana Sassetti.
A diretora executiva da Associação Empresarial Olivum, que representa os olivicultores e outros operadores, lembra o papel central de Alqueva na dinamização do sector agrícola do Alentejo e o impacto na economia regional. “A existência de água permitiu a plantação de novos olivais. Muito disto foi graças a Alqueva”, insiste. À mesa do almoço, empresários deste ramo asseguram que as boas práticas na gestão da água são uma realidade transversal às explorações, em particular as profissionais. Como dizia Nuno Góis, os agricultores são os principais interessados em proteger os recursos solo e água para assegurar a sustentabilidade da sua atividade. “Cresci com a obsessão do meu pai sobre a água, estava sempre a tentar poupá-la e ser mais eficiente”, partilha Madalena Freire de Andrade.
Freire de Andrade é administradora da Sinvepart, entidade responsável pela gestão de 1900 hectares de olival, amendoal e floresta, onde a água é tratada com respeito e cuidado. Do outro lado da mesa está Filipa Bernardino, diretora de qualidade da Oliivogestão, que critica o “excesso de burocracia” nos processos de licenciamento agrícola. “São pelo menos seis meses para dar início a uma exploração, assumindo que tudo vai correr bem”, lamenta.
Em causa está não só a falta de recursos alocados às entidades públicas responsáveis por lidar com os processos, mas também no número de instituições com quem o agricultor tem de lidar. “São demasiadas entidades, o que se devia fazer era centralizar”, sugere Filipe Castelo Branco. O gestor da Herdade Paço do Conde, com cerca de 800 hectares sob alçada, conta mesmo que “uma entidade com responsabilidade de supervisão num processo de licenciamento não fez, durante três meses, visitas de campo porque só existia uma carrinha de serviço e não tinha seguro”.
É preciso esperar mais de seis meses para iniciar uma exploração agrícola. A Culpa é da lentidão das entidades públicas, garantem agricultores
As enxadas de outros tempos deram lugar a tratores modernos, equipados com ar condicionado, sistema de GPS e outras comodidades que tornam mais fácil o trabalho do agricultor. “Vendemos drones e outros equipamentos de apoio à exploração agrícola”, lembra Nuno Góis, que diz notar um “crescimento na procura” por soluções tecnológicas como drones usados para monitorizar as produções. “É uma pena não ser possível aplicar tratamentos”, contrapõe Filipe Castelo Branco. Hoje, garantem os participantes na sessão, a aposta em sistemas modernos de rega gota a gota, sistemas GPS para zoneamento das explorações, ou ferramentas de análise de dados em tempo real, são parte essencial da atividade.
A construção de charcas para reter água da chuva e reaproveitá-la para os campos cultivados é uma das opções mais banais, mas cuja execução pode ser um pesadelo. “O reaproveitamento de águas residuais não é autorizado”, garante Filipe Castelo Branco.
Quando o tema é o modelo de olival, cujas explorações têm vindo a ser reconvertidas para produções intensivas, os presentes asseguram que, ao contrário do que se possa pensar, esta é uma alternativa mais rentável, mais eficiente na utilização de recursos e amiga da biodiversidade. “Este tipo de propriedades tem mais sebes, mais área de verde, e isso permite aumentar a captura de carbono”, sublinha Madalena Freire de Andrade. Na utilização de produtos, há menor quantidade empregue por ser possível, com a tecnologia, identificar quais são as plantas ou áreas com mais necessidades.
O olival moderno é responsável por cerca de 80% da produção nacional de azeite e tem vindo a aumentar em área, ainda que não de forma “significativa”, diz Susana Sassetti, que afirma que “os olivicultores estão cada vez mais despertos para a exigência da sustentabilidade”, não só por via da gestão eficiente da água, como pela proteção e conservação dos solos.
O financiamento é outra das preocupações de agricultores e empresários. Mais do que ter acesso ao dinheiro — estão disponíveis €2,8 mil milhões no PEPAC e linhas de crédito na banca —, pedem que os tempos de resposta das entidades públicas diminuam para não colocarem em causa investimentos planeados. Para Rui Ferreira, consultor da EY Partheon, a aposta em sustentabilidade reflete-se, depois, no valor acrescentado do sector. “Quando falamos em investir em sistemas de gestão inteligente da água, estamos a falar em poupar custos e isso reflete-se em termos financeiros”, remata.
Como a agricultura está a cuidar da água
Drones ao serviço
Usados na pulverização de tratamentos e adubos para aumentar a eficiência e a automatização
Soluções de irrigação
Dotadas de IA, sistemas modernos de gota a gota permitem mais precisão na rega e menos desperdício
Armazenar a água
Os agricultores recolhem a água da chuva em grandes depósitos para aumentar a resiliência das explorações
Tratamento da água
O poder digestivo de minhocas e micróbios permite remover até 99% dos contaminantes das águas residuais
Conservar a terra
Utilização de técnicas de preservação dos solos para aumentar a sustentabilidade da produção
Sensores que comunicam
Monitorização permanente e acessível, em qualquer lugar, de temperatura, água ou humidade
Análise de dados
Com IA e machine learning, os agricultores podem gerir a produção em tempo real
Reutilização de águas
O tratamento de águas residuais para fins agrícolas é apontado como uma solução de futuro