Acelerador de Sustentabilidade

Regenerar tem de ser a palavra de ordem no turismo

Tendência. Restaurar ecossistemas ambientais, proteger tradições e as comunidades locais são medidas usadas para contrariar os impactos negativos da atividade turística. Sector bate recordes económicos e peritos pedem equilíbrio

Estima-se que cerca de 8% das emissões globais de carbono tenham origem na atividade turística, com a componente dos transportes a ser a que mais pesa nesta equação. Mas nem tudo se mede em emissões de CO2, já que o turismo, em particular quando é massificado, pode deixar outras cicatrizes nas comunidades e nas dinâmicas sociais. A sobrecarga nos serviços públicos, o aumento do custo de vida e a perda de qualidade de vida para os residentes estão entre as principais consequências, asseguram os estudos. “Os residentes percecionam cada vez mais os impactos negativos e cada vez menos os impactos positivos do turismo. Isto leva-nos a recomendar aos nossos decisores regionais alguma atenção na monitorização”, resume, em poucas palavras, um dos coordenadores do Observatório para o Turismo Sustentável do Algarve.

Luís Nobre Pereira ressalva, porém, que os dados mostram que “os residentes apoiam fortemente o desenvolvimento do turismo na região” e considera essencial criar medidas que permitam alcançar um equilíbrio entre as duas faces desta moeda. De facto, 2023 foi o melhor ano de sempre para o sector em Portugal, que recebeu cerca de 30 milhões de hóspedes que permitiram superar €25 mil milhões em receitas turísticas —mais 18,9% do que em 2022, dizem os números do Turismo de Portugal.

O conceito de turismo regenerativo surge nos últimos anos como resposta aos desafios da atividade nas comunidades e nos ecossistemas ambientais. “Vai além do conceito de ecoturismo. É um turismo que pretende criar impacto positivo, que contribui para a saúde e resiliência dos sistemas naturais e sociais”, explica Norma Franco, partner e especialista da EY em sustentabilidade. A consultora, que esteve presente na segunda sessão do Acelerador de Sustentabilidade, do Expresso com apoio do BPI, dedicado a este tema, sublinha que o objetivo é que, quando viajamos, “o destino fique bem melhor do que quando lá chegámos” e assegura que há mercado para este tipo de oferta. Segundo o estudo de sustentabilidade da Booking, quatro em cada dez turistas não se importam de gastar mais em viagens certificadas, ainda que, alerta Norma Franco, “estejam dispostos a pagar apenas mais 5%”.

Proveitos económicos já não chegam

Da mesma forma que os algarvios sentem cada vez mais o peso das consequências negativas do turismo, outros destinos, nomeadamente em Espanha, começam a repensar este sector. Em abril, os habitantes das oito ilhas Canárias saíram à rua para protestar contra o que consideram ser um modelo turístico “insustentável” e o seu alvo, garantiam, não são os turistas, mas a falta de políticas que mantenham o equilíbrio na utilização de recursos e na partilha da riqueza gerada com os residentes. Movimento semelhante acontece hoje em Barcelona, com a cidade a proibir o alojamento local até 2028 numa tentativa de fazer baixar o custo da habitação. Para comparação, em Barcelona existem cerca de 10 mil unidades de alojamento local, o mesmo número registado no Porto e metade dos 20 mil alojamentos em Lisboa.

Fundos públicos têm €5 mil milhões para o turismo sustentável, mas é preciso novos modelos de negócio

Ao nível ambiental, porém, os efeitos negativos também se fazem sentir. Em regiões como o Algarve — que concentrou, em 2023, 20 dos 70 milhões de dormidas —, a falta de água é uma preocupação adicional. Aliás, já este ano o Governo decretou medidas de contenção no consumo, entretanto parcialmente aliviadas pelo aumento da chuva nos últimos meses. “Nas reuniões com decisores regionais em que tenho participado, existe a preocupação de tentar encontrar estratégias e medidas que permitam tornar o nosso destino mais sustentável”, aponta Luís Nobre Pereira.

Cristina Siza Vieira, vice-presidente da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP), assinala que “o turismo pode vir a ser uma vítima muito maior das alterações climáticas” com impactos diretos na economia do país. A responsável acredita ainda que “o turismo regenerativo é um vestido interessante para algo que já se vai fazendo” no país.

Conhecer, investir e valorizar

Durante o Acelerador de Sustentabilidade, realizado em Loulé, os empresários do turismo presentes reconheceram existir falta de conhecimento sobre este novo conceito de regeneração e apenas um terço assume praticar medidas nesse sentido. Entre os principais obstáculos à implementação de boas práticas, os agentes do sector apontam a falta de valorização pelos clientes e parceiros, bem como a insuficiência de apoios públicos. Neste campo, aliás, mais do que a falta de dinheiro disponível para apoiar a transição e sustentabilidade, as empresas lamentam o que consideram ser burocracia em excesso e tempos de espera demasiado longos para aprovação de projetos — e, sobretudo, para o pagamento efetivo dos apoios.

Cristina Siza Vieira acredita, no entanto, que este caminho deve ser percorrido com “cenouras” — como a diferenciação no mercado e mais receitas — e não com “paus” — por via de penalizações. “Ou os empresários percebem que a sustentabilidade é negócio ou então não vão lá”, acrescenta.

Luís Cabral Silva foi capaz de perceber que a regeneração era o caminho, mesmo antes de saber o que significava o conceito. “Percebi hoje que fazemos muito turismo regenerativo e que temos práticas que vão além”, partilhava, durante o Acelerador, o responsável por projetos como a Quinta do Freixo ou a Quinta do Mel. “Praticamos uma agricultura regenerativa que serve sobretudo para a atividade turística”, explicava. O responsável tem sob gestão perto de 800 hectares onde convivem agricultura e pecuária biológicas certificadas, áreas de silvicultura que ajudam a prevenir incêndios e um espaço hortícola de onde saem produtos para o restaurante da quinta.

O turismo regenerativo vai muito para lá da instalação de painéis solares, dos apelos à reutilização de toalhas nos quartos de hotel ou de torneiras com sensores para reduzir o desperdício de água. Tudo isso é importante, mas é preciso ir mais longe e restaurar habitats naturais através da plantação de florestas autóctones, como na Gandum Village (Montemor-o-Novo), onde, além dos donos, todos os funcionários são residentes da aldeia. Ou ainda, como no Chão do Rio (Serra da Estrela), onde a floresta está a ser usada para evitar incêndios e para atrair a fauna local através de uma charca.

Segundo a Booking, 76% dos viajantes dizem querer fazer férias mais sustentáveis, num mercado que vale milhares de milhões. Só em financiamento público, há cerca de €5 mil milhões disponíveis para a sustentabilidade e linhas de financiamento específicas na banca, que não só adiantam os apoios públicos, como os alavancam e complementam com fundos adicionais. “Temos de repensar a economia e os nossos modelos de negócio”, remata Norma Franco.

Soluções para um turismo regenerativo

Medição da água

Aferir gastos de água por hóspede e apresentar os resultados no fim da estadia para promover a poupança


Charcos de biodiversidade

Criação de espaços de água à superfície que estimulem a fauna local e sirvam de bebedouro


Barreiras naturais

Através da plantação de arbustos e outra vegetação, é possível transformar terra seca em solo fértil


Produtos locais

Abastecer alojamentos turísticos com alimentos e outros produtos da região reduz a pegada ambiental


Florestas autóctones

Plantar árvores de espécies locais ou substituir outras, como o eucalipto, protege contra incêndios


Redução de resíduos

Espaços que pedem aos hóspedes que, no final da estadia, levem consigo o lixo produzido


Energia verde

Incentivar a eficiência energética e a produção a partir de fontes renováveis é crucial para reduzir emissões


Proteger a comunidade

Além do apoio à economia local, o turismo regenerativo deve preservar a cultura e as tradições


FONTE: Agência Internacional de Energia