A mudança tem que começar por algum lado. Foi precisamente o que pensaram os responsáveis do Volvo Group South Africa ao criarem a Iron Women, uma escola de condução de veículos pesados direcionada para mulheres com o objetivo de aumentar o número total de condutores profissionais num mercado que se encontra desproporcionalmente ocupado por homens. 40 mulheres completaram até ao momento o programa e foram inseridas na indústria, levando assim os transportes rodoviários a beneficiar de maior diversidade de género, igualdade de direitos e, consequentemente, crescimento económico.
Mas o que é o social aplicado ao contexto das empresas? Trata-se do segundo pilar dos critérios ESG — sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança —, que são cada vez mais utilizados para categorizar os esforços sustentáveis de uma determinada empresa e para definir o acesso a financiamento quer público quer privado. Mais especificamente, os critérios sociais avaliam a relação das organizações dentro do meio social em que se integram, o que inclui trabalhadores, comunidades locais e cidadãos em geral, tendo em conta áreas como emprego, saúde, segurança ou diversidade, por exemplo. Por outras palavras, pense num espelho que reflete os valores corporativos da empresa e contribui para fortalecer os laços que a liga a todos os elementos com quem se relaciona e em que tem impacto.
O que já se está a fazer
Cada vez mais se identificam iniciativas promotoras da inclusão e da igualdade como pilar da sustentabilidade para, inclusive, responder às exigências da legislação europeia. De acordo com uma diretiva comunitária adotada no final de 2022, pelo menos 40% dos cargos de administrador não executivo ou 33% de todos os cargos de administração nas empresas devem ser ocupados pelo sexo sub-representado até ao final de junho de 2026, através da introdução de procedimentos de recrutamento transparentes. Importa realçar que as pequenas e médias empresas (PME) com menos de 250 trabalhadores estão excluídas da aplicação desta legislação.
Só que a legislação mostra às PME que a adoção destas práticas é o único caminho sustentável, apesar das dificuldades no imediato. “Todos estes pilares sociais ainda representam um custo elevado, que apenas empresas de grande dimensão conseguem atingir”, aponta Frédéric Branco, CFO e auditor interno do grupo Jaime Alberto, que foi “criado do zero há mais de 35 anos” e que agora se assume “como uma empresa de referência” não só na região de Castelo Branco, mas “em todo o território”, ao operar no “comércio por grosso de produtos alimentares, com predominância de produtos de confeitaria e mercearia”. Para o responsável, a organização “tem dado os seus passos principalmente na criação de igualdade de género e criação de trabalho digno, fomentando a satisfação dos trabalhadores”.
As barreiras internas
A necessidade de mudança social também se sente na dificuldade “na retenção de talentos” e na “contratação de quadros especializados”. Frédéric Branco identifica na “população ativa uma nova forma de pensar, com falta de objetivos e dedicação para agarrar os desafios”, em que “a própria implementação de formação ocorre por obrigação”, acusa. E acrescenta que “a mudança não acontece sozinha”, reforçando que não é preciso “apenas consciencializar”, mas também “obrigar” as empresas a adotarem medidas socialmente responsáveis “por via da legislação e implementação de políticas” de incentivo e recompensadoras de boas práticas. “Caso contrário, por vários fatores, nada acontecerá.”
Segundo um estudo realizado pela Cetelem, 87% dos portugueses preferem trabalhar em empresas com boa atuação no domínio social, com 60% dos inquiridos a mostrarem-se preocupados com questões como a desigualdade de género, a inclusão de pessoas com deficiência, o racismo, a xenofobia ou a diversidade geográfica e étnica. Os vencimentos baixos em vigor na generalidade das empresas também são um entrave à aplicação do pilar social, com o valor mediano do salário mensal a não ultrapassar os mil euros em 285 (93%) dos 308 municípios, segundo o INE.
“A falta de mão de obra” portuguesa tem vindo a ser “colmatada com a contratação de trabalhadores vindos do estrangeiro”, concede Miguel Carvalho, membro do Conselho de Administração da Fitecom e responsável pela direção operacional da empresa do sector têxtil, fundada em 1993. É uma “nova realidade”: dão “formação, quer em termos de língua quer técnica, a estes novos colaboradores”. Pede-se “um esforço para atingir o equilíbrio e promover a mudança para as novas realidades da sustentabilidade, nomeadamente no que se refere à parte social”, e, uma vez que “a legislação é complexa”, a Fitecom “criou um gabinete de trabalho destinado essencialmente à responsabilidade social”.
As barreiras externas
90% dos entrevistados num estudo da EY dão mais importância ao desempenho ESG quando se trata das suas estratégias de investimento e decisões, e não há dúvidas de que o cuidado com o pilar social faz cada vez mais diferença na perceção de uma organização. Com mais de 45 anos de história, o Torre Fashion Group desenvolve a sua atividade na área do têxtil. O CEO, Gonçalo Soares, identifica como obstáculo “a necessidade de incrementar custos de estrutura para dar resposta aos diferentes pilares” como resultado da nova realidade e manifesta apreensão perante as exigências “a nível legal e no acesso a fundos na banca”, que deve ser “transversal dentro e fora da União Europeia”. A solução pode passar, “a nível externo”, por uma “intensificação dos apoios”, para “facilitar a introdução de políticas direcionadas para o social”. A sustentabilidade agradece.
Realidade em Portugal
27,3%
é, de acordo com um estudo da BCSD Portugal, a percentagem de mulheres nas direções executivas
16,4%
dos trabalhadores consideram que as políticas de sustentabilidade das suas empresas são suficientes, revela um estudo da Michael Page
15%
das PME publicam informação sobre sustentabilidade, diz a Católica-Lisbon
52%
das empresas, segundo a Mercer, têm dificuldades na retenção de talento
O acelerador das empresas
Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso, com o apoio do BPI, ativou o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Desta vez fomos a Castelo Branco.
Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de dezembro de 2023