Basta olhar para o relógio e já foram 1,337 toneladas. É quanto CO2 se estima que seja libertado para a atmosfera a cada segundo, de acordo com dados da “Mercator Research Institute on Global Commons and Climate Change” (MCC), num total de 42,2 gigatoneladas anuais, em média. Números que colocam em perigo claro o cumprimento do Acordo de Paris, em que os signatários definiram como meta para a subida da temperatura os 2°C em relação à época pré-industrial e, se possível, que esse aumento não ultrapasse os 1,5°C. Se é evidente que o futuro está em jogo, muitas PME (pequenas e médias empresas) procuram agora perceber como podem contribuir, sobretudo com a necessidade de aplicação dos critérios ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança).
Entre os desafios de adaptação a um mundo em que a transição ambiental é um imperativo, encontra-se a aplicação efetiva de práticas de governança, que engloba o conjunto de processos, leis, regulamentos ou instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida. Como um dos pilares dos já mencionados critérios ESG, o seu cumprimento é cada vez mais o fator decisivo para o financiamento, com instituições públicas e privadas a optarem pelo investimento (ou não) com base nestes elementos. 76% das empresas com uma governança de sustentabilidade madura estão otimistas quanto ao desempenho financeiro, quando comparado com 45% das empresas menos maduras, de acordo com dados da EY.
O que já se está a fazer
Claro que há sempre oportunidades em qualquer cenário e essa foi a visão da Portugal Green Travel, “fundada em 2019 com a visão de promover um turismo mais sustentável e autêntico”, como conta o cofundador e chief marketing officer (CMO) da empresa, Hugo Teixeira Francisco. “A nossa inovação reside na forma como integramos práticas sustentáveis em cada etapa das viagens que organizamos, garantindo um impacto positivo tanto para os turistas como para as comunidades locais”, argumenta, com uma certeza: “Temos assistido a um crescimento consistente do número de turistas que escolhem viajar de forma sustentável, refletindo uma maior consciência e procura por práticas responsáveis no sector.” Para reforçar esta identificação, a oferta de viagens da empresa contempla uma “iniciativa de compensação de carbono para todas as viagens”, o que Hugo Teixeira Francisco assume como um “desafio logístico, mas que demonstra o compromisso com a sustentabilidade, promovendo ações de reflorestação”. Oferecem também “um kit sustentável a todos os clientes, que inclui um saco de burel, produtos de higiene e um cantil para promover a redução de plástico”, com a respetiva sensibilização dos “parceiros de alojamento” para “disponibilizar dispensadores de água para todos os clientes”.
A preocupação ambiental também está na cerne da criação da A2Z, que “nasceu em 2006 fruto da paixão por viajar de forma sustentável e em contacto com a natureza, a pé e de bicicleta”, confessa o cofundador e diretor-geral, Pedro Pedrosa, com o objetivo de “levar turistas internacionais a descobrir destinos alternativos, criando produtos inovadores e precursores em diferentes áreas naturais e do interior do país, sempre com a preocupação da responsabilidade e sustentabilidade inerentes à operação”. Na opinião do responsável, “há um trabalho contínuo a fazer na alteração de mentalidade e prioridades em todas as posições para integrar plenamente os temas da sustentabilidade como igualmente importantes para as boas práticas e operação da empresa”.
Quando surgiu pela “vontade de dois irmãos” em 1946, a sustentabilidade não estava nas principais cogitações da empresa Transportes Rama. Atualmente, “num mercado tão maduro como é hoje o transporte rodoviário de mercadorias, é difícil a esta altura ser verdadeiramente inovador”, admite Luís Oliveira, o sócio-gerente. A meta passa por “construir um modelo de gestão suportado na melhoria contínua”, com base na especialização “em transportes de mercadorias cujo nível de exigência seja elevado, nomeadamente mercadorias perigosas, produtos farmacêuticos, mercadorias de elevado valor e mercadorias de transporte a granel”. Saltamos 70 anos, e em 2016, “dois amigos decidiram avançar com um projeto próprio na área técnica da climatização”, conta José Gonçalo, administrador da Beepenger. Com foco em criar soluções de consumo sustentável, a atividade tem várias frentes e passa pela “instalação de redes hidráulicas”, assim como sistemas de energia solar, térmica, e fotovoltaica. “Começou do zero com dois sócios e hoje somos 22 pessoas”, lembra.
As barreiras externas
“Nesta fase inicial sentimos falta de uma entidade que, de alguma forma, regule estas matérias e nos ajude a perceber o que fazer”, assume Luís Oliveira. Hugo Teixeira Francisco acrescenta que “há uma falta de legislação e regulamentação clara em relação à sustentabilidade no sector turístico”, por exemplo, mas que também se pode verificar noutras áreas. Trata-se de um “vazio legal que pode criar ambiguidades e tornar mais desafiante para as empresas implementarem práticas sustentáveis de forma consistente e eficaz”. Garante Pedro Pedrosa que “talvez a maior dificuldade seja mesmo estabelecer parcerias entre empresas do mesmo sector ou na cadeia de valor e que partilhem os mesmos objetivos”, com José Gonçalo a defender que “existe muita falta de informação e depois certificação e legislação que a valide adequadamente, a fim de garantir que se possa distinguir o trigo do joio”.
As barreiras internas
O caminho em Portugal é longo, com um estudo de 2023 do Business Council for Sustainbale Development (BCSD) a mostrar que apenas 78% das empresas integram a sustentabilidade na sua estratégia de negócio, enquanto só 23% das organizações admitem solicitar um relatório de indicadores ESG aos seus clientes, fornecedores e parceiros. Ou seja, se é verdade que em Portugal, mais de oito em dez organizações (82%) já identificaram a sua estratégia ESG ou têm intenções de o fazer, como refere um trabalho desenvolvido pela empresa de recursos humanos ManpowerGroup, 91% não reúnem o talento necessário para cumprir esses objetivos.
“Internamente, com o rápido crescimento da empresa enfrentamos desafios relacionados com a formação e sensibilização da nossa equipa sobre práticas sustentáveis”, revela Hugo Teixeira Francisco, com o “crescimento acelerado” a exigir “a integração rápida de novos membros na equipa, o que, por vezes, resultou em lacunas na compreensão e implementação das diretrizes de sustentabilidade”. Já Pedro Pedrosa chama a atenção para as auditorias que, juntamente com os processos de certificação, permitem “sempre continuar o caminho de melhoria de qualidade nas diferentes áreas que abrangem” com Luís Oliveira a considerar, sem pejo, que “o maior obstáculo é o desconhecimento atual do que é isto, na prática, das normas da governança”.
O acelerador das empresas
Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso, com o apoio do BPI, ativou o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Desta vez fomos a Coimbra.
Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de outubro de 2023