Acelerador de Sustentabilidade

25 mil voltas à Terra para acelerar a transição ambiental

Mudança: adaptar-se às novas exigências da União Europeia para serem mais sustentáveis e transparentes é tarefa difícil para muitas PME que continuam a deparar-se com desconhecimento de regras essenciais para acesso a financiamento, como ficou patente em novo Acelerador da Sustentabilidade, projeto do Expresso com o apoio do BPI

É bem possível que ao começar a ler este texto esteja a pensar: qual é o significado de 25 mil voltas à Terra para a transição ambiental? Para isso temos que ir até Sanfins, em Santa Maria da Feira, onde se encontra a Resiway. Trata-se da “única empresa nacional que se dedica inteiramente à valorização de resíduos orgânicos com uma forte componente lipídica” que, de outra forma, teriam como destino os aterros. “Através da separação e extração da fração de óleo e gorduras”, explica o CFO, José Leite, resulta “um óleo técnico que é matéria-prima para biocombustíveis” com as “restantes matérias do processo” a serem “encaminhadas para compostagem ou para produção de biogás, assim permitindo a valorização de 99% dos resíduos recebidos” e o funcionamento de “uma verdadeira economia circular”. O método já permitiu evitar “a emissão de mais de 150 mil toneladas de CO2”, o que equivale “a mais de mil milhões de quilómetros de condução ou a mais de 25 mil voltas à Terra”.

O que já se está a fazer

Integrar a sustentabilidade no modelo de negócio das empresas e incorporar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU é cada vez mais essencial, até porque a mensagem que chega das instituições portuguesas e internacionais é inequívoca: sem introduzir práticas que promovam a transição energética e ambiental não há financiamento disponível. Veja-se a adoção por parte da União Europeia de um sistema de taxonomia (cujos critérios pode conhecer com os ícones no centro da página), que estabelece uma classificação à escala europeia para determinar se uma atividade económica pode ou não ser definida como “sustentável” e também para regulamentar os requisitos de divulgação de informação não financeira das empresas. Na prática, pretende-se facilitar e potenciar o investimento sustentável, assim como colocar um travão no greenwashing — esforços das empresas para fornecer informação enganadora sobre produtos tidos como sustentáveis.

“Vivemos tempos de adaptação nas organizações e as organizações são as pessoas”, acredita Marta Mendes. É “um período de transição que nos obriga a pôr na balança da decisão os impactos sociais e ambientais a par dos económicos”, explica a responsável pela área de sustentabilidade da Symington Family Estates. “Temos um departamento de investigação e desenvolvimento totalmente dedicado ao desenvolvimento da viticultura e enologia”, que tem atualmente “cinco elementos a tempo inteiro”, revela, com o intuito de “desenvolver técnicas e práticas que respondam às necessidades de melhorar o nosso desempenho”. Em 2016 contrataram “um técnico de viticultura cuja principal função é dar apoio técnico aos lavradores” que muitas vezes “não dispõem dos meios, dos recursos e da informação para poder agir atempadamente na vinha”. O trabalho de mudança passa também pelo “redesign das embalagens de forma a que o seu ciclo de vida seja cada vez menos impactante”, até porque “30% das emissões de carbono resultam das garrafas” utilizadas.

A Wine on Wheels (WOW) é outra empresa que trilha o caminho da sustentabilidade desde 2003, atira Zélia Ribeiro, da direção financeira. O modelo de negócio consiste em “prestar serviços a adegas, através do aluguer de equipamentos e reutilização dos mesmos pelos vários clientes”, conta, com recurso a uma “pesquisa constante no mercado internacional e auscultação de necessidades dos clientes, de técnicas e tecnologias” que são posteriormente aplicadas em camiões, semirreboques e carrinhas “papamóvel”, totalmente desenvolvidos e desenhados pela empresa. A sustentabilidade é uma constante, com a equipa a reunir “todos os anos” para uma “formação na qual está sempre incluído o tema da sustentabilidade, a utilização de painéis solares, baterias e pontos de carregamento elétricos para os carros” e até de “bicicletas elétricas para pequenas deslocações”.

As barreiras externas

A partir de 2026, as PME listadas estarão sujeitas à obrigação de reporte ESG a nível europeu, com a chegada da CSRD (Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade) mas o desconhecimento ainda grassa, com 60,2% das PME afirmarem não conhecer as novas obrigações, segundo a Católica-Lisbon. Na opinião de José Leite, o “tema da regulamentação é extremamente complexo e, no caso específico das PME, torna-se difícil acompanhar todas as questões relacionadas com o tema”. Sobretudo quando “existe muita informação” o que dificulta o trabalho duma “empresa com poucos recursos e que não tenha pessoal especializado ou 100% dedicado ao tema a perceber como implementar, monitorizar e comunicar uma estratégia de ESG [sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança]”. Há também uma expectativa que os incentivos públicos possam “ser mais céleres” para “permitirem uma maior rapidez de implementação dos projetos de investimento”. Sobretudo porque “o fomento da economia circular e da produção de bens secundários carece de investimentos avultados, para atração dos quais é necessário um quadro de estabilidade e previsibilidade a médio e longo prazo”.

Para Marta Mendes, “os financiamentos desempenham um papel crucial no desenvolvimento das empresas”. A responsável dá o exemplo de “diversos programas de apoio europeu que nos permitem alavancar muita investigação e desenvolvimento produtivo” sem deixar de reforçar que “um processo destes exige bastante tempo administrativo, o que onera muito as empresas e esforço das equipas para preencher toda a documentação que acompanha os processos que são demasiadamente complexos e burocráticos”.

O único financiamento da WOW parte da banca (“é aonde vamos conseguindo”), com o custo de cada unidade da empresa a variar entre os “€100 mil e os €800 mil”. “Temos 48!”, diz Zélia Ribeiro, sem “acesso a financiamento público, quer português quer europeu. Não nos enquadramos porque, segundo os ‘eruditos’, somos uma empresa móvel e não geramos riqueza apenas num local fixo”, contesta.

As barreiras internas

Se parece claro que a generalidade dos empresários aceitam a transição sustentável como inevitável, há ainda um grande desconhecimento do que o novo cenário implica. Segundo o Barómetro dos ODS feito pela Porto Business School, 64,2% das PME que participaram no estudo referem dar muita atenção à sustentabilidade, mas apenas 32,5% já deram passos concretos para a integração dos ODS na sua estratégia e 71,7% não possui qualquer certificação social e/ou ambiental. O que ganha um significado ainda maior quando se olha para o espaço económico ocupado pelas PME, que configuram 99,9% do total das empresas portuguesas, 78% do emprego e 70% do valor acrescentado bruto.

“Fazer declarações de intenções lindas e inspiradoras não chega, é preciso agir e aqui todos os elementos que interagem com um negócio têm de fazer a sua parte. O reporte não financeiro vem ajudar muito”, sustenta Marta Mendes. Já José Leite, deixa uma “sugestão” para ajudar a ultrapassar as barreiras internas: “Passa pela criação de um portal, feito de um ponto de vista da PME, que permitisse filtrar por tipologia de atividade, com o básico que a PME tem que saber” relativamente à taxonomia ou às novas regras.

O que contam os números

55%

é o objetivo (mínimo) definido pela UE para a redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030

4

milhões de pessoas (aproximadamente) são empregadas por PME em Portugal

17

é o número de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

82,5%

das PME não reportam sustentabilidade, segundo um estudo da Porto Business School

O acelerador das empresas

O acelerador das empresas Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso, com o apoio do BPI, ativou o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Desta vez fomos a Vila Nova de Gaia.

Textos originalmente publicados a 29 de setembro de 2023