Acelerador de Sustentabilidade

“Às vezes, o céu está nublado” na transição energética

Metas: Portugal está à frente no uso de renováveis na produção elétrica, mas quer mais. E pretende acelerar a descarbonização nos transportes e na indústria através dos gases renováveis. Contudo, há barreiras a derrubar para que tudo seja possível

Ana Baptista

A descarbonização da produção de eletricidade tem sido uma das mais dinâmicas dentro do sector da energia, fruto de uma aposta nas renováveis, que começou mais cedo do que noutros países da Europa (em 2005) e que até nem era desconhecida. “Nos anos 20 e 30, Portugal chegou a ser 90% renovável por causa da aposta na hídrica”, conta Jerónimo Cunha, diretor de Energia e Recursos na consultora EY.

É por isso que neste segmento Portugal está mais avançado no que toca à transição energética, tendo fechado 2022 com uma capacidade instalada de origem renovável de 74%, com a vantagem de esta estar distribuída pelas energias hídrica, eólica e solar, minimizando a incerteza destes recursos naturais. Porque, se chove, não há tanto sol, e nem sempre está vento. Ainda assim, 74% não é o suficiente, e o objetivo do Governo é chegar aos 85% em 2030 (ver ícones), precisamente “porque estamos a substituir capacidade firme [como a da produção através de carvão ou gás natural] por capacidade que tem os seus desafios”, refere Jerónimo Cunha.

Para atingir esta meta, os planos do Governo passam por um reforço da capacidade das eólicas já em operação e por um aumento significativo do solar, não só através de grandes parques mas ao incentivar, também por via legislativa, instalações de autoconsumo e/ou de comunidades de energia. Por exemplo, “há uma legislação europeia que vai obrigar todos os espaços comerciais com mais de 200 metros quadrados a ter autoconsumo”, exemplifica Carla Sampaio, diretora de Sustentabilidade da Greenvolt e defensora das novas soluções híbridas. “É uma visão futurista, mas podíamos ter um pequeno painel solar, uma minieó­lica e talvez uma bateria no telhado das casas para aproveitar a energia de dia e de noite”, diz.

Mas, como “a eletrificação não é a solução para todos os sectores e usos de energia”, segundo uma apresentação feita pela EY, outras das grandes apostas — do Governo e das empresas — são os gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano, principalmente para a indústria e transportes, onde a descarbonização está mais atrasada. Por exemplo, nos transportes, “a incorporação de renováveis está apenas perto dos 10%”, nota a consultora.

O que já se está a fazer

No último ano e meio têm-se multiplicado as notícias sobre a instalação de novos parques solares e de autoconsumo, a que se juntam cada vez mais projetos para a produção de hidrogénio verde. Alguns deles já concretizados, outros em desenvolvimento, da responsabilidade de empresas grandes e pequenas, portuguesas e estrangeiras, tanto da área da energia como de fora.

Na área da energia, a Floene (ex-Galp Gás) é um bom exemplo. Apesar de ser uma distribuidora de gás natural, tem como ambição os gases renováveis, incluindo o biometano, que é “obtido através de resíduos urbanos (lixo comum), lamas de estações de tratamento de águas ou resíduos da agricultura”, explica Joana Appleton, diretora de Relação com Investidores e ESG da empresa. Para já, são os projetos do hidrogénio que estão à frente, “porque não há legislação para o biometano”, e nesse sentido a Floene foi a primeira empresa em Portugal a levar hidrogénio verde a 80 casas no Seixal, um projeto-piloto que vai agora instalar em Évora.

Fora da energia há o caso da Etermar, uma construtora marítima (de portos ou docas) que tem um novo foco — a transição energética — e tem vindo a apostar na construção de fundações para eólicas em alto mar com um estrutura de betão ecológico que “protege a biodiversidade marinha e reduz as emissões de CO2”, explica Miguel Pires, responsável de Desenvolvimento de Negócio. Além disso, também têm apostado no autoconsumo e já têm 558 painéis solares na sede, com o objetivo de colocar mais nos estacionamentos e nas coberturas das naves industriais. Porque, afirma, “o objetivo é não depender da rede e até, se possível, fornecer à rede”.

As barreiras externas

“Quando falamos em energia renovável parece que tudo é fácil, mas não temos sempre sol: às vezes, o céu está nublado.” Com estas palavras, o diretor-executivo da Nova SBE, Luís Veiga Martins, resume algumas das dificuldades que podem surgir a quem investe nestes projetos.

Veja-se como para grandes parques solares “são anos até que a Agência Portuguesa do Ambiente [APA] dê o OK”, conta Carla Sampaio. Por isso é que a Greenvolt tem apostado tanto no autoconsumo, pois “é mais fácil obter licenciamento”. Aliás, esta semana anunciou a conclusão de mais um projeto de mais de 4600 painéis no Algatec Eco Business Park, na Póvoa de Santa Iria. Não é a única a fazê-lo. Segundo dados da EY, “entre 2019 e maio de 2023, a capacidade instalada em sistemas de autoconsumo solar aumentou mais de 300%”. No caso do biometano não há legislação que permita construir unidades de produção e há diplomas que impedem o uso de resíduos que se usam, por exemplo, em Espanha e que cá vão para o lixo.

A isto acrescem as barreiras sociais. “Agregamos elementos sustentáveis no que fazemos, mas depois os clientes não querem pagar”, repara Miguel Pires. Ou porque é mais caro do que as soluções não sustentáveis ou porque não estão suficientemente informados sobre o valor que pode trazer para a sua empresa. Aliás, a falta de informação — que passa dos Governos e legisladores para as empresas e destas para os consumidores e fornecedores — foi uma das barreiras mais faladas no terceiro Acelerador de Sustentabilidade, que decorreu na semana passada em Azeitão, na Herdade do Peru. Por isso é que, conta Joana Appleton, a Floene está a fazer workshops nas indústrias para explicar como podem introduzir o hidrogénio.

As barreiras internas

A falta de informação e de formação é também um entrave dentro das próprias empresas, ainda mais quando são “bombardeadas” quase todos os dias com as novas exigências do ESG (Environment, Social and Governance na sigla original, Ambiente, Social e Governança em português). Se, por um lado, esse “bombardeamento” tem contribuído para aumentar a formação dos trabalhadores nas áreas da sustentabilidade e energia, por outro, é um “grande desafio para as empresas”, principalmente quando o assunto são as cadeias de abastecimento.

“Nós conseguimos medir a nossa própria pegada, a da operação não, e essa é que representa 80% das emissões. Temos de perguntar aos fornecedores, mas quem me garante que eles sabem ou que estão a ser corretos? Como é que vou saber quem é que está a fazer os painéis solares que vêm da China ou que a extração de minerais não recorre a trabalho escravo?”, remata Carla Sampaio.

O acelerador das empresas

Pelo segundo ano consecutivo, o Expresso, com o apoio do BPI, ativou o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Desta vez fomos ao distrito de Setúbal.

Textos originalmente publicados no Expresso de 21 de junho de 2023