A preservação do ambiente e do território natural dos Açores não é uma preocupação de agora. Por exemplo, logo em 1972 foram criadas as reservas da ilha do Faial e da montanha da ilha do Pico; em 1987 acabou-se com a caça à baleia que, gradualmente, se foi transformando na atividade turística de observação às baleias; e em 2018 foram considerados o primeiro arquipélago no mundo certificado como destino turístico sustentável.
Mas desde o Acordo de Paris, em 2015, que a palavra sustentabilidade ganhou outro peso e se tornou uma meta que todos os países da Europa teriam de cumprir para minimizar os impactos das alterações climáticas. Uma meta que, como diz Bruno Vieira, diretor de Qualidade, Ambiente e Segurança da Energias dos Açores (EDA), é “um desafio brutal”, porque envolve “uma transição para o desconhecido”. Para um mundo com menos combustíveis fósseis e mais renováveis; com um maior aproveitamento dos resíduos; com novas tecnologias que algumas pessoas não sabem usar e onde a forma como se gere uma empresa e lidera uma equipa passou a pesar no reconhecimento da empresa e até num pedido de crédito ao banco (o ESG, a sigla em inglês de Environment, Social and Governance).
Ainda assim, na sessão do Acelerador de Sustentabilidade que decorreu a 23 de junho, precisamente nos Açores, ficou claro que as empresas e o Governo não estão parados. Pelo contrário.
O que já se está a fazer
A Sociedade Conserveira Açoriana (SCA), produtora do Atum Santa Catarina, consome 1800 toneladas de matéria-prima, das quais apenas 37% “vão para a lata”. Do restante, 44% são subproduto que é exportado para a Figueira da Foz “para ser transformado em farinha de peixe” e os 19% de óleos que ficam na água de cozedura do atum são separados “para que a água vá mais limpa para as estações de tratamento (ETAR) que, desta forma, gastam menos energia”, conta Rogério Veiros, gerente da SCA.
Ou seja, como disse o químico francês Lavoisier “nada se perde, tudo se transforma”, neste caso em receitas, repara Rogério Veiros. Porque, “o que é resíduo numa empresa, pode ser produto noutra”, acrescenta Cristina Mendonça, diretora de Sustentabilidade e Qualidade da Azoris Hotels. E às vezes dentro da própria empresa. “Substituímos a caldeira a gasóleo por um equipamento a biomassa onde usamos as cascas das árvores e as paletes de madeira que iam para o lixo para produzir vapor. Com isto, já reduzimos o custo com gasóleo em 66%”, conta Jorge Sousa, administrador da Cooperativa União Agrícola.
Além disso, assumindo a meta europeia de redução do uso de pesticidas em 50% até 2030, criaram um ambiente controlado com menos humidade — uma das características do clima nos Açores — o que permite usar menos desses produtos tóxicos, explica ainda Jorge Sousa.
E por falar em metas, a Energia dos Açores (EDA) — a empresa responsável pela produção e distribuição de energia nas nove ilhas do arquipélago — está a investir €177 milhões para atingir, em 2026, uma produção renovável de 61% o que significa quase duplicar os 37% atingidos em 2022. “Para isso estamos a reforçar as centrais geotérmicas (as únicas em Portugal) e a potência instalada nos parques eólicos já existentes e vamos também instalar mais baterias de armazenamento de energia que permitem que, à noite, apenas esteja a funcionar uma central a gasóleo em vez de duas e haja na mesma espaço na rede para receber a energia que as renováveis produzirem”, explica Bruno Vieira. Além disso, e como as centrais têm de continuar a funcionar para que as ilhas “não fiquem às escuras”, vão ainda substituir o gasóleo por combustíveis menos emissores de CO2, acrescenta.
Só o solar é que fica fora da equação porque a aposta do Governo dos Açores é incentivar o autoconsumo. Neste momento, o Executivo tem em curso um programa com um total de €20 milhões para apoiar, a 100%, a instalação de 12 megawatts (MW) deste tipo de projetos e ainda um outro pacote em que apoia em 85% a instalação de baterias de armazenamento de energia para quem já tem autoconsumo, nomeadamente as empresas.
As barreiras internas
Estes três exemplos mostram bem como as empresas dos Açores estão a contribuir para a preservação do ambiente e para a descarbonização, mas esta “transição para o desconhecido” implica um nível de conhecimentos que muitos dos colaboradores não têm ainda. Daí que os empresários que compunham as sete mesas da segunda sessão do Acelerador de Sustentabilidade 2023 tenham referido a formação e capacitação das equipas e da gestão como um dos principais desafios do momento. Não só o facto de haver problemas sociais no arquipélago faz com que seja difícil sensibilizar as pessoas para o tema da sustentabilidade, como os Açores “têm um nível de escolaridade baixo, o que tem impacto na sociedade e quando queremos recrutar”, explica Bruno Vieira. Por isso é que, por exemplo, a EDA tem em curso um programa de capacitação dos colaboradores que começa pela gestão, depois segue para as cerca de 70 a 80 pessoas das segundas linhas e, por fim, chegará a todos os 800 colaboradores da empresa. Além disso, estão envolvidos no projeto Grace, através do qual ajudam famílias com jovens em idade escolar com computadores, telemóveis, explicadores e apoios à alimentação para que possam progredir até ter um curso superior “e, quem sabe, até virem trabalhar para a EDA”, diz Bruno Vieira.
As barreiras externas
O problema da falta de formação e até de sensibilidade para com as questões da sustentabilidade não é visto apenas como uma barreira dentro das empresas, mas também fora delas, nomeadamente na relação com a Universidade dos Açores.
“A academia está afastada das empresas. Há alguns bons exemplos no continente, mas a nossa continua muito fechada naquilo que é a imagem clássica de uma universidade”, considera Isabel Barata, diretora de Comunicação e Formação da EDA. A Atum Santa Catarina sentiu isso na pele. “Tenho duas universidades do continente que vieram ter connosco e com quem estamos a desenvolver projetos — a Universidade do Minho e a Faculdade de Veterinária de Lisboa. A de cá, nunca me veio bater porta”, diz Rogério Veiros.
Mas quando se fala em barreiras externas há duas que sobressaem: ser preciso reduzir a burocracia excessiva e esclarecer melhor as decisões para que possa haver uma melhor e maior adesão. “Há orientações europeias que não se coadunam com a realidade dos Açores e temos candidaturas comunitárias que levam dois ou três anos quando deviam levar um ano ou menos”, diz Jorge Sousa. E também há falta de informação. “Não é só criar os apoios e os avisos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Há muitas empresas — e nos Açores quase 100% são PME — que não sabem bem como usar os fundos disponíveis”, acrescenta Isabel Barata.
Outra barreira também muito mencionada, e que diz particular respeito aos Açores, são os transportes, principalmente entre ilhas, e não só marítimo mas também a aviação. “É o nosso grande problema e não é pelo custo, mas sim pela regularidade”, repara Jorge Sousa. Porque “não pode ficar tudo em São Miguel”, comenta Cristina Mendonça. A privatização da SATA Air Açores é uma preocupação, sobre a qual Isabel Barata entende que, a avançar, tem de ter no contrato a garantia de que não compromete o serviço público, tanto de passageiros como de carga.
O acelerador das empresas
Pelo segundo ano consecutivo, Expresso e BPI ativaram o Acelerador de Sustentabilidade, um projeto para ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a dar passos para descarbonizar e ter um negócio sustentável. Desta vez fomos aos Açores
Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de junho de 2023