Europeias 2019

António Costa e Portugal aquecem debate na corrida à presidência da Comissão

Costa ganhou palco sem ter de se deslocar a Bruxelas. O candidato dos Socialistas Europeus, Frans Timmermans, referiu-o como modelo durante o debate com mais cinco aspirantes a presidente da Comissão Europeia. Já o alemão Manfred Weber, que tem o apoio de PSD e CDS, pediu “responsabilidade” aos socialistas

AFP/Getty Images

A troca de acusações surgiu logo na segunda ronda de perguntas, com Portugal a servir de exemplo e a expor as divergências entre o alemão Manfred Weber e o holandês Frans Timmermans, candidatos à presidência da Comissão Europeia pelas duas maiores famílias políticas, a do Partido Popular Europeu (PPE) e a dos Socialistas Europeus.

Foi o cabeça de lista do PPE, Manfred Weber, quem primeiro falou do país e dos "jovens estudantes" com quem se encontrou no Porto, para dizer que o que lhe pediram não foi um salário mínimo, "proposta dos socialistas", mas "empregos bem pagos". Em Portugal, o alemão conta com o apoio do PSD e CDS.

No entanto, juntar "Weber" e "Portugal" é abrir a porta à memória da carta que o alemão escreveu em 2016 ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pedindo mão pesada na aplicação das regras e sanções a Portugal e Espanha, por causa da derrapagem do défice.

Com a via aberta, o candidato dos Socialistas Europeus, Frans Timmermans, não perdeu a oportunidade para lembrar que quando Costa apresentou "planos para criar mais justiça social e empregos", Weber pediu antes "punam Portugal".

Face ao confronto, o alemão pediu de novo a palavra e contra-atacou. "Os socialistas não deviam atacar as próprias políticas", atirou. E, em mais um exercício de memória, chamou para o debate outros três nomes socialistas: Pierre Moscovici, Jeroen Dijsselbloem e Mário Centeno.

O primeiro por ser comissário com a pasta dos assuntos económicos da Comissão que concluiu que Portugal e Espanha tinham infringido as regras e falhado as metas; Dijsselbloem por ser do mesmo partido de Timmermans e presidente do Eurogrupo que "tomou as decisões necessárias sobre as reformas"; e o ministro português por ser o homem que lhe sucedeu no cargo. "Todos devemos assumir as responsabilidades", rematou o candidato do centro-direita, num recado direto para o papel dos socialistas nas decisões europeias.

Para Weber, "responsabilidade e solidariedade" têm de andar de mãos dadas quando estão em causa as contas públicas na Zona Euro.

Mas a troca de palavras não ficou por aqui. Timmermans, que ainda é o 1ª vice-presidente da Comissão Europeia, saiu em defesa de Moscovici e da equipa de comissários que abriu o processo que conduzia a sanções, mas que no final optou por não aplicar qualquer multa.

Weber já várias vezes disse que foi mal interpretado, mas as palavras e a carta com o pedido para que fossem aplicados todos os instrumentos "na sua força máxima", ressuscitam várias vezes: em Portugal, no fogo cruzado entre PS e PSD, e agora também no grande debate com seis dos candidatos à sucessão de Jean-Claude Juncker.

Timmermans conta com o apoio de António Costa e tem alinhado pela mesma doutrina do primeiro-ministro português, ao ponto de elogiá-lo num debate transmitido em direto para os 28 países.

Costa ganhou palco sem ter de se deslocar a Bruxelas, e o holandês defendeu, por ele, uma fórmula portuguesa que considera ter "funcionado". "A justiça social é maior em Portugal, o número de empregos subiu enormemente, puseram fim à austeridade e é isso que mais governos deveriam fazer", concluiu.

Criar empregos que paguem bem

Troca de acusações à parte, cada um dos candidatos defendeu as suas propostas para estimular o emprego e dar resposta às preocupações dos jovens europeus. Timmermans quer "alargar o [programa] Erasmus a todos os estudantes", estejam no liceu ou na universidade; e defende que haja um "salário mínimo" equivalente "a 60%" da mediana dos salários em cada estado-membro. Propõe também que todos os jovens europeus possam votar a partir dos 16 anos.

Já a estratégia de Weber passa por um "mercado interno mais forte", com aposta nas infraestruturas, na investigação e numa "boa política económica". Ao mesmo tempo, fala na necessidade de "solidariedade" e de se criarem empregos para os "jovens do sul", num recado que é para o seu próprio país e outros mais a norte.

Um debate que contou também com outra comissária, a da Concorrência. Margrethe Vestager é candidata pelos Liberais ao cargo de topo do executivo comunitário. A dinamarquesa lembrou os "mais de 12 milhões de empregos" criados na Europa nos últimos cinco anos, mas sublinha que "muitos deles não pagam lá muito bem". Diz que é precisa uma "economia mais forte", que permita "uma vida decente". Mas em vez de um "salário mínimo" em todos os países, defende que é preciso trazer para o debate "os parceiros sociais".

Na última legislatura, Marinho e Pinto foi o único português a engrossar a bancadas dos liberais, mas, de acordo com as projeções, a família liberal poderá subir após as eleições de 26 de maio, e passar de quarta para terceira maior bancada, o que significaria um eventual papel de maior relevo na formação da próxima Comissão Europeia e na distribuição dos cargos de topo das instituições.

Numa linha totalmente diferente, o candidato dos conservadores e reformistas, Jan Zahradil, foi ao debate defender uma menor presença de Bruxelas nas questões económicas. O eurodeputado checo defende que não é a Comissão que cria empregos, mas sim as empresas. E, por isso, defende "soluções à medida de cada Estado membro. Não há atualmente qualquer eurodeputado português na bancada dos conservadores e reformistas, onde se sentam os tories britânicos, do partido de Theresa May.

“Aliança de Tsipras a Macron”

No debate que decorreu no hemiciclo do Parlamento Europeu, em Bruxelas, participaram ainda a alemã Ska Keller, pelos Verdes, e o espanhol Nico Cue, pela Esquerda Europeia, também ele a sair em defesa de um salário mínimo europeu. Um debate que durou hora e meia e em que esgrimiram argumentos e propostas para os desafios das migrações, comércio internacional, alterações climáticas e a taxação dos gigantes do digital.

Na maior parte do tempo, o tom dos candidatos foi bastante calmo e pró-europeu. Várias vezes estiveram alinhados no reconhecer dos problemas. Umas vezes divergiram nas soluções, noutras nem por isso.

Timmermans saiu em defesa de uma "aliança de Tsipras a Macron" para fazer face às alterações climáticas. O cabeça de lista dos Socialistas Europeus, deixou de fora o PPE, parceiro de entendimento mais habitual, para piscar o olho à esquerda e aos liberais. No debate, propôs a Ska Keller, dos Verdes, e Nico Cue, da Esquerda Europeia, que trabalhem juntos para pôr o ambiente no topo da agenda dos próximos cinco anos. "E tenho a certeza que vamos também convencer muitos na família liberal". Será uma aliança a replicar noutra outras áreas?

O socialista holandês defende, ainda, uma taxa sobre as emissões de CO2 "para todas as empresas na Europa", que reverta depois a favor de medidas ambientais, por exemplo, para "tornar as casas mais sustentáveis". E no discurso deixou uma crítica à falta de tributação do combustível na aviação.

Já Manfred Weber diz que a solução não é "punir" mas apostar na "inovação". No que diz respeito à luta contra as alterações climáticas, entende que o caminho não tem de ser o defendido pelos socialistas e democratas. Mantém o compromisso com uma UE "neutra em carbono" em 2050, mas avisa que não se pode andar demasiado rápido e que é preciso dar tempo para que empresas e indústria se adaptem.

Já Vestager pede que se olhe para o desafio do clima como uma oportunidade. "Milhões de empregos podem ser criados", diz, e fala na construção de linhas de alta velocidade "para ligar" as cidades europeias, transferindo passageiros dos aviões para os comboios. Admite que é possível investir mais em investigação, mas há também que fazer uso da que já existe. "Não precisamos de esperar por tecnologia", afirma, apelando a uma ação imediata.

As eleições de 26 de maio e a distribuição de lugares no Parlamento Europeu ajudarão a perceber se algum destes candidatos tem hipótese de ser nomeado pelos líderes europeus para presidente da Comissão Europeia. Uma nomeação que não só tem de convencer os chefes de Estado e de Governo, como depois tem de garantir uma maioria absoluta no Parlamento Europeu.