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Cinema

“O Crime É Meu”: François Ozon pega numa peça dos anos 30 para fazer uma comédia deliciosamente frívola

Ozon pega num comédia de boulevard dos anos 30 e faz um filme deliciosamente elegante e divertido. Como um bom champanhe

Rebecca Marder e Nadia Tereszkiewicz nos papéis de Pauline Mauléon e Madeleine Verdier em “O Crime é Meu”

Que me perdoe o João Paulo Martins, vizinho de muitos anos algumas páginas adiante, que destas coisas percebe muito mais do que eu, mas os vinhos, como os filmes, de que gostamos, não afinam todos pela mesma bitola. Tomemos o champanhe ou, se quisermos, a sua versão transalpina e plebeia, o prosecco. Não têm a complexidade dos grandes tintos, a macieza, a intensidade violoncélica do bouquet, a perenidade na língua que demora para lá do derrame do líquido na boca. Não têm a seriedade grave que se pede a quem envelhece com a dignidade de um cavalheiro.

Pelo contrário, são frescos, leves, propícios à alegria, ao riso; em vez de espirituais, são espirituosos, não é por acaso que os associamos à ideia de ligeireza, volubilidade, diletância. E também ao teatro de boulevard, essa invenção oitocentista com que os burgueses riam com os vícios, usos e ademanes da burguesia sem verdadeiramente os pôr em causa nem lhes passar pela cabeça qualquer subversão. Atenção, nada de confusões com aquele branco ‘com borbulhas’ de pressão, variante moderna do vinho com gasosa. Esse é o equivalente às comédias pé de chumbo, vertendo boçalidades, lugares comuns, baixezas. Pelo seu lado, o boulevard é elegante, acerbo sem sarro na garganta, picante sem andar pelas partes baixas. Uma senhora nunca cora, sorri, subentendida.