A vida de saltos altos

Quando são elas que vão à bola

Marta Ramalho (Sapato N.º 40)

Sempre disse que não ligava grande coisa a futebol. E de facto não ligo. Nunca liguei a futebol por mim, sempre liguei pelos outros, pela companhia. Como nunca fui à tropa, ver um jogo de futebol com alguém é a minha experiência máxima de camaradagem e partilha de alegrias e de dores, de gritos e palavrões, de nervoso miudinho e até de mandar alguém calar, assim à bruta! Claro que no meio disto, desenvolvi as minhas simpatias clubísticas.

A Primeira Vez

O primeiro jogo de futebol que vi num estádio, ainda se usavam almofadinhas para pôr debaixo do rabo... a famosa e anunciada almofadinha para o cu! (Com o acordo ortográfico, não sei se cú leva acento ou não, no tempo das almofadinhas levava. Agora não sei.)

Era um jogo amigável e o senhor que me levou era um senhor à antiga, que tinha numa ida ao estádio, a solenidade de uma cerimónia com direito a almofadinha caseira. Observei-os e não me atrevi a abrir a boca para dizer o que quer que fosse. Esperava que eles se pronunciassem, e seguia de acordo.

Mais crescida, fui ao estádio umas poucas de vezes. A agitação já era mais que muita, portanto eu evitava os grandes dérbis, fui uma única vez ver uma final da Taça no Jamor, e jurei para nunca mais. Há toda uma cultura "da bola" numa ida ao estádio. É o caminho que se faz a passo largo, a paragem na roulotte, o olhar por cima das restantes cabeças para ver como está de gente mais à frente, o voltar a tirar o bilhete do bolso para confirmar a porta para a bancada certa e a falta de fôlego quando se pisa a bancada com o estádio em frente. É forte! É! Já quase não me lembrava disto.

Ficar ao pé das claques fazia-me muita confusão. Chegava a ter medo. Sentia a bancada a trepidar por baixo dos pés e era difícil falar e ouvir com os cânticos. Para além disso, a maior parte deles tinham um ar pouco amistoso, assim ao nível do cavernoso, mesmo. Então... eu ficava mais para lá. Lá, onde já não me sentia sufocada pela nuvem densa da emoção alheia.

Mais crescida...

... Ainda. Depois de ser mãe, desliguei-me completamente dessas emoções. Eu que nunca fui cliente assídua "da bola", e desse mundo onde se projectam todo o tipo de emoções (e valores), passei mesmo a desprezá-lo. A vida demasiado preenchida desvia-nos daí toda e qualquer atenção e faz-nos projectar essas emoções noutros "objectos". Ainda assim, continuo a reconhecer que o futebol cumpre um papel social de extrema importância. Mas não na minha vida.

Outra vez?!

Até que um dia, por acaso da ociosidade e de um zapping manhoso, me deparo com uma final (melhor de 5) de futsal. E eis senão quando volto a descobrir o nervoso miudinho de torcer por um resultado, de me enervar com um rapaz que corre atrás de uma bola, ou com vários, de ter vontade de bater num comentador, de ficar irritada quando não era aquela a jogada certa ou de me dar vontade de mandar tudo ao ar quando o penalti é falhado. Tudo isto, sentada num confortável sofá. Descobri outra vez que tenho "os nervos da bola", que me passam assim que o jogo acaba, claro. Tenho mais que fazer do que ficar irritada com aquilo. É só uma sensação da qual já não me lembrava. Mas agora que redescobri esta relação extra, cheia de dinâmica como o futsal, será que devia casar?

Autoras: Ana Areal, Liliana Coelho, Paula Cosme Pinto, Sofia Rijo, Solange Cosme

Editora: Plátano (coleção Livros de Seda)

Preço: 11,80€ em loja, 10,62€ se for adquirido via site da Editora Plátano

Páginas: 158

ISBN: 9789727708598

Saiba mais sobre o livro:

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