Esta semana começou com o anúncio de novos assaltos a realizar no próximo ano, a que nem os mortos escapam. Mas, já lá iremos. Primeiro permitam-me partilhar que na terça-feira nos roubaram mesmo a bicicleta. E lembrei-me do filme que dá título à crónica de hoje.
Para quem não o viu, trata-se de um enredo passado na Itália pós-Segunda Guerra, com um nível de desemprego avassalador. Ricci, o protagonista é escolhido para colar cartazes mas como requisito obrigatório precisa de uma bicicleta. Sem dinheiro e sem bicicleta confronta a mulher com o dilema de ter arranjado trabalho mas não ter como o realizar. Decidem vender a roupa da cama e assim compram a bicicleta. Para azar de Ricci, no primeiro dia de trabalho roubam-lhe a mesma. Na esquadra da policia sugerem-lhe que a procure pela cidade de Roma pois não podem dispensar uma unidade para o efeito. E a partir daí se desenrola a trama.
Ora, no nosso caso, quando percebemos que na garagem apenas tinha ficado o capacete, cortesia do/a assaltante que ou teve medo de apanhar piolhos ou tentou mitigar a nossa perda, contactámos a PSP, que aconselhou a queixa pois poderá ser que a bicicleta apareça em rusgas mas, à semelhança de Ricci, também nos indicaram que não criássemos grandes expectativas.
Desconheço o que motivou esta atitude, assim como o Ladrão da Bicicleta desconhece porque motivo ela foi adquirida, em que condições isso aconteceu e não poderá estimar o valor sentimental da mesma, no entanto, suponho que será adepto do desporto, ainda que não o pratique em segurança, não só pelo objecto roubado (Specialized Hardrock Azul) como pelo esforço físico a que se dedicou subindo do -2 até à porta principal pela escada de serviço... Mas para além do gozo do prémio aqui ficam, ainda que de forma anónima para o mesmo, os seus 15mn de fama.
Ora também começa para a sociedade portuguesa a ser recorrente o furto e sem possibilidade de defesa, deixando qualquer coisa para trás para nos distrair e se queremos reaver o que quer que seja teremos que dar corda aos sapatos sem nenhum tipo de garantia.
Ouvir a expressão "choque de expectativas" da boca do Primeiro -Ministro é mesmo para fazer acordar os mortos. Subiu-se a carga fiscal, criaram-se taxas de solidariedade que eu ainda não compreendi com quem é que são solidárias, cortou-se na função pública, cortou-se nas pensões e agora atacam-se as pensões de sobrevivência. Ora para além desta medida ser retroativa, é uma atitude canalha, os descontos foram feitos por quem já faleceu, num país onde durante os anos 50 e por diante apenas os homens trabalhavam e onde mesmo depois da chegada das mulheres ao mercado de trabalho não existia equidade salarial em ambos os géneros. Existem abusos? Acredito que sim mas nesse caso aumentem a fiscalidade, e não se fiquem pelam pensões de sobrevivência. Subvenções vitalícias? Reformas acumuladas com atividade profissional e em idade ativa? Assobia-se para o lado e encenam-se novas manobras.
A violação do princípio da confiança não acontece só quando surgem as novas medidas para combater o deficit. É nas personagens, atente-se no mais recente caso Rui Machete, é na sua forma de comunicar (o uso sistemático de convergência, ajustamento), aqui não um assalto mas um insulto à nossa inteligência e no caminho, sem norte, que está a ser seguido. Será possível que a correção orçamental se baseie apenas em medidas sobre as quais há uma permanente ansiedade e discussão pública sobre o possível chumbo no Tribunal Constitucional? Onde estão as infraestruturas geradoras de riqueza para o futuro, para os tempos áureos que nos esperam quando esses "malvados troikianos" se forem embora? Será que algum dia vamos compreender as motivações dos Ladrões de Bicicletas?
A diferença entre quem singra e quem não o faz percebe-se pela forma como anda de bicicleta, há os que olham para o caminho e há os que olham para os pedais.
Ladrões de Bicicletas - Vittorio De Sica (1948)
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