Apesar de assumir que foi Fernando Medina quem escolheu Joaquim Morão para coordenar uma equipa que "fizesse as obras andarem" em Lisboa, a procuradora Tânia Agostinho não sentiu qualquer necessidade de ouvir o ex-presidente da Câmara como testemunha e muito menos como arguido no processo que durante dois anos investigou as circunstâncias da contratação do antigo presidente das Câmaras de Idanha-a-Nova e Castelo Branco.
No despacho de arquivamento divulgado pelo Diário de Notícias a que o Expresso também teve acesso, é descrita a inquirição a 28 testemunhas - funcionários da autarquia, vereadores, diretores, assessores e juristas - e o interrogatório aos cinco arguidos do processo. Medina,que até pediu para ser ouvido depois das buscas na Câmara, nunca foi chamado pelo MP.
E isso não impediu a procuradora de concluir que "não se mostra possível concluir pela verificação" de qualquer crime, neste caso nomeadamente participação económica em negócio, prevaricação ou abuso de poder. Para isso acontecer, teria de ter havido "a intenção de obter (....) benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa". E para Tânia Agostinho, a investigação demonstrou que "Joaquim Morão foi escolhido por ser a pessoa indicada para exercer aquelas funções, que exerceu, numa situação particular vivida na Câmara Municipal de Lisboa de grande execução de obras, sendo a pessoa com especiais apetências técnicas para o trabalho a exercer".
No despacho, Tânia Agostinho reconhece que "ainda que o procedimento em causa tenha assumido a forma que assumiu" (Morão constituiu uma empresa só para concorrer a este cargo e sugeriu que a Câmara consultasse outras duas, de um amigo, que nem sequer responderam ao convite da Câmara), mas sustenta que apesar de "a iniciativa de convite a Joaquim Morão para a prestação dos serviços" ter sido de "Fernando Medina", não há nada no processo que demonstre que "foi sua a decisão sobre o procedimento contratual a escolher" e "nem sobre tal assunto deu indicações". "Para o MP, "o certo é que, o convite a três empresas foi inócuo em termos de formalizar a adequação do procedimento ao Código de Contratos Públicos" mas "não se logrou apurar quem tenha dado orientações para que se recorresse a tal convite".
Além disso, a Câmara contratou por duas vezes a empresa de Morão por um total de mais de 96 mil euros, o que teria obrigado a um concurso público que nunca aconteceu. O MP entende que as exceçôes à lei que permitem a contratação direta de uma empresa por mais de 75 mil em casos em que só esta pode executar a tarefa, se aplicam neste caso.
Talvez involuntariamente, Helena Bicho, diretora Municipal de Projecto e Obras, resumiu a história deste caso com uma clareza cristalina: "não" ficou "agradada com a entrada do Comendador" e a "forma como o procedimento começou não era normal". O despacho de Medina que nomeou Morão como coordenador da equipa de acompanhamento das obras "caiu que nem uma bomba" mas para o que Morão "fez", esta arguida até achou que "ele era mal pago".
No depoimento citado no despacho de arquivamento, Morão revela que trabalhou sem receber "nada" entre março e junho de 2015 e que só depois da tomada de posse de Fernando Medina é que passou a ser pago. Primeiro, recebeu cerca de 23 mil euros e depois 74 mil. Mais IVA. O acréscimo de 2015 para 2016 foi justificado com a maior "complexidade" do trabalho"
Diz que aceitou o convite que lhe foi feito pelo antigo presidente da Câmara na condição de ser feito "um ajuste directo" E que "não" fez "nenhum concurso," nem simulou "nenhum concurso". Constituiu a empresa, "porque já estava com ideias de a constituir, porque queria fazer outras coisas. Isto foi o primeiro trabalho que apareceu para isto. E, portanto, constituiu a empresa e fez o seu trabalho". Só sugeriu os nomes das outras empresas porque "pediram-lhe para indicar".
Este processo teve origem numa notícia do Público que titulava: "Câmara de Lisboa simula consultas ao mercado para contratar histórico do PS".