Timor-Leste

O governante de Timor-Leste que manda no Hotel A e as atividades ilícitas descobertas pela ONU: há corrupção, jogo ilegal e redes criminosas

A mais recente investigação do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) lança um alerta sobre a entrada e disseminação de redes criminosas em Timor-Leste, particularmente no enclave de Oecussi. O relatório identifica alegadas ligações entre autoridades governamentais, hotéis e empresas envolvidas em atividades ilícitas, levantando sérias preocupações sobre corrupção, segurança digital e operações de jogo online

Paula Bronstein

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) disse hoje que uma pessoa "que ocupa um cargo no governo de Timor-Leste" é um dos donos de um hotel que "parece acolher empresas" com atividade criminosa.

Envolvimento de autoridades em hotel suspeito

"O Hotel A é gerido por várias pessoas, incluindo uma que ocupa um cargo no Governo de Timor-Leste; [o hotel] parece acolher empresas que operam a partir das suas instalações e tem sido associado, através de interesses comerciais comuns, a outro estabelecimento hoteleiro em Díli ligado à liderança recentemente destituída da RAEOA [Região Administrativa Especial de Oecussi]", lê-se num relatório sobre as novas redes criminosas que estão a operar no enclave timorense.

O Relatório da ONU e os Riscos para Timor-Leste

O documento, divulgado hoje pelo UNODC, retrata a entrada e disseminação de redes criminosas nesta zona económica, e chama a atenção para os riscos da adesão do país lusófono à Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em meados de outubro, além de apresentar, sem nomear, ligações suspeitas entre autoridades e alegados criminosos.

Operações Policiais em Oecussi

No final de agosto, a Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC) de Timor-Leste anunciou a detenção de 10 pessoas por suspeita de envolvimento em atividade de exploração de jogos ilícitos e de burla informática no enclave de Oecussi.

"A PCIC, em conjunto com os serviços de informação, realizou uma operação denominada 'crime online scam', que permitiu identificar em Oecussi vários locais onde se desenvolviam atividades de exploração de jogos ilícitos e burla informática", afirmou o porta-voz e atual chefe de investigação da PCIC, Mário Assis Tavares, aos jornalistas em Díli, no final do mês passado.

Substituição da Liderança Regional

No relatório hoje divulgado, a UNODC lembra que entre maio e agosto mais de 30 pessoas foram detetadas na localização do centro das alegadas burlas, e no dia 25 de agosto foi feita uma inspeção a vários locais suspeitos, tendo, no dia 27, sido substituído o presidente e membros da região e sido extinta, pelo Governo, a comissão criada para estabelecer uma zona económica especial de desenvolvimento naquele enclave, situado no lado indonésio da ilha de Timor.

A Região Administrativa Especial de Oecussi era liderada por Rogério Lobato, antigo ministro do Interior, que foi nomeado para o cargo em janeiro de 2024, à semelhança dos secretários regionais, que também foram exonerados, enquanto a comissão para estabelecer uma Zona Económica Especial de Desenvolvimento de Oecussi também foi criada em janeiro do mesmo ano e era liderada pelo antigo ministro da Economia João Mendes Gonçalves.

A "Tech Company A" e o Projeto Digital

Denominada de "Tech Company A", esta empresa privada "lideraria e financiaria o projeto de identificação digital nacional da região, descrita no site do governo da RAEOA como uma pedra angular da estratégia de governação sem papel de Timor-Leste, incorporando autenticação biométrica, segurança baseada em blockchain e plataformas interoperáveis para melhorar a verificação de identidade e salvaguardar a privacidade dos cidadãos".

"O presidente da Tech Company A envolvida no projeto foi condenado em Singapura em 2024 por conspirar para adquirir dados pessoais roubados de um sindicato chinês de cibercrime. Os dados teriam sido destinados a golpes online ilícitos e operações de jogo. Após a condenação e pena privativa de liberdade do presidente, este foi designado como pessoa proibida pela Comissão de Supervisão do Jogo da Ilha de Man", refere-se no documento

Ligações Suspeitas ao Setor do Jogo

Segundo a mesma fonte, "relatórios de serviços de informações indicam que o presidente mantém ligações indiretas com um hotel que foi revistado através de uma complexa rede de afiliações corporativas, aumentando ainda mais as preocupações sobre a integridade das operações comerciais associadas ao ecossistema de jogos de azar offshore em Timor-Leste".

Além disto, a UNODC afirma também que "uma entidade separada que suscita preocupação é a 'Gaming company A', alegadamente propriedade de um amigo do presidente da Tech Company A, acima mencionada, que mantém ligações operacionais com redes de casinos no Camboja".

A "Gaming Company A" e a Licença de Jogo Online

Esta empresa de jogos "detém uma licença ao abrigo da legislação nacional de jogo de Timor-Leste, que foi originalmente concebida para regulamentar as atividades de jogo locais" mas, acrescenta-se, "a natureza das operações da empresa --- centradas no jogo online offshore --- levanta questões sobre a adequação e o âmbito da sua licença".

Esta empresa, além de se apresentar como uma "lotaria nacional", é também "a proprietária registada de uma empresa que gere mais de 50 domínios de jogo suspeitos e que se suspeita funcionar como fachada para a operação da lotaria, o que realça ainda mais a necessidade de um maior escrutínio regulamentar e de cooperação transfronteiriça", conclui-se no relatório que retrata a entrada e disseminação de redes criminosas neste enclave.