Apurar ouvidos, ter material de vídeo ou de fotografia à mão e captar som e imagem de cigarras é o desafio que uma equipa de investigadoras do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa dirige este verão a quem vive ou passa férias em zonas onde possa ouvir o canto destes insetos, que passam o resto do ano debaixo de terra.
O último censo dá conta de que existem 13 espécies de cigarras em território português, “várias delas em situação muito vulnerável”, conta ao Expresso a bióloga Paula Simões, investigadora do cE3C e coordenadora do projeto “Cigarras de Portugal”. Estes insetos passam muito tempo debaixo de terra, mas os cientistas não sabem exatamente quanto, nem se hibernam verdadeiramente, ou se depois de acasalarem ficam simplesmente no subsolo três ou quatro anos, a alimentar-se de raízes de uma variedade de plantas enquanto os ovos eclodem e crescem.
Por quererem saber mais lançaram o desafio de "ciência cidadã”, convidando as pessoas a monitorizar as populações de cigarras que se distribuem pelo país, tendo em conta que junho, julho e agosto são os meses em que estas mais são ouvidas. “Queremos colmatar as muitas lacunas existentes na área de distribuição das cigarras, sobretudo das mais raras, bem como avaliar a sua vulnerabilidade ao risco de extinção”, explica Paula Simões.
Entre as espécies com estatuto mais vulnerável contam-se o cegarregão-abelhudo (Hilaphura varipes), do qual existem alguns registos antigos nas regiões do Alentejo, Lisboa e Algarve, ou a pequena cigarra-verde-do-Alentejo (Euryphara contentei). Desta última, com não mais de 17 milímetros de comprimento, conhecem-se dois núcleos no Alentejo, um próximo de Beja e outro junto a Estremoz. Depois de os terem visitado em 2019, as investigadoras voltaram a estes locais este ano e perceberam que houve “uma melhoria importante” na população de cigarra-verde-do-Alentejo, mas querem “perceber se estas flutuações são cíclicas e se estão ou não associadas a variações climáticas ou mudanças no habitat”, explica Vera Nunes, que também integra a equipa do cE3C. As maiores ameaças que pairam sobre estas espécies estão ligadas à atividade humana, sobretudo a pressões com origem na atividade agrícola e expansão urbanística.
O desafio para que os portugueses gravassem o canto das cigarras que ouvissem no seu dia-a-dia ou em férias e o partilhassem com os cientistas foi inicialmente lançado no verão de 2019. Porém, a pandemia de covid-19 acabou por dificultar os trabalhos de campo e a equipa resolveu dar-lhe “um novo impulso” no verão de 2021. As mais abundantemente ouvidas e observadas desde 2019 são as cigarras das espécies “cicada Barbara” e “Cicada Orni”, comuns junto a praias.
Agora, os cientistas precisam de ajuda para “observar as espécies mais raras e não só a Sul e no litoral, mas também no interior Centro e Norte do país, onde tem havido menos registos. Por isso, as cientistas do cE3C apelam: “Da próxima vez que ouvir o canto de uma cigarra, faça um registo áudio ou vídeo e partilhe-o, juntamente com a localização GPS, na plataforma Biodiversity4All”. As três melhores fotos recebem um prémio em material fotográfico.