Sociedade

Português acusado de ligação ao Daesh diz que “jihad” não se refere a guerra santa. Começou o julgamento da célula portuguesa

Dois dos oito arguidos começam esta terça-feira a ser julgados no Campus de Justiça, em Lisboa, sob forte aparato policial — ao lado decorre a segunda sessão do julgamento de Rui Pinto. Presença de jornalistas limitada na sala de audiências por “questões de segurança”

Cassimo Ture e Rómulo Rodrigues da Costa

Arrancou finalmente o julgamento de dois dos oito portugueses suspeitos de se terem ligado ao Daesh, seja entrando nas fileiras da organização, na Síria, seja através de apoio financeiro, logístico e de recrutamento, ao autodenominado Estado Islâmico.

Na passada terça-feira, o processo foi dividido em dois, com seis elementos a serem dados pelo tribunal como contumazes, isto é, procurados pelo sistema judicial e em paradeiro incerto. Os outros dois, Rómulo Rodrigues da Costa, 40 anos, e Cassimo Turé, 45 anos, estão esta terça-feira presentes no Tribunal Judicial de Lisboa para prestar esclarecimentos ao juiz Francisco Coimbra.

Rómulo Rodrigues da Costa, tal como Cassimo Turé, nunca viajou para a Síria. Faz parte da célula portuguesa de Leyton, bairro do leste de Londres, de onde é acusado de ter “aliciado, financiado e recrutado” cidadãos radicalizados, contribuindo para que estes chegassem ao califado. A rota passava também por Lisboa, onde Rómulo foi detido no verão passado. Está desde então em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Monsanto, prisão de alta segurança, e foi por isso escoltado até ao tribunal.

Segundo o Observador, um dos órgãos que pôde entrar na sessão, Rómulo está a ser confrontado com as escutas aos telefonemas que fez com um dos irmãos, Edgar Rodrigues da Costa, um dos arguidos considerados contumazes. Nega qualquer apoio à causa jiadista, como já tinha feito nesta entrevista por escrito ao Expresso, e é secundado por Lopes Guerreiro, o advogado de defesa, que, segundo a mesma fonte, considera que Rómulo pode já ter esquecido parte do conteúdo das conversas, uma vez que têm mais de sete anos.

Na acusação, o Ministério Público (MP) refere mais de 40 termos cifrados que os irmãos usavam nessas conversas telefónicas. Um deles, “vermelho”, seria o código utilizado para “passaporte”, o que o arguido também desmente. Citado pelo Jornal de Notícias, disse que não se pode pronunciar por não saber “o contexto” em que esses termos foram referidos. O advogado, Lopes Guerreiro, considera que questões como a interpretação dos códigos mostram que Ministério Público tem “especulações, suposições, convicções”, ao invés de factos. “O único facto é a existência de dois irmãos.” Antes da primeira sessão, Lopes Guerreiro tinha dito que o arguido sentia “muita angústia” e que não fala com os irmãos, Edgar e Celso, outro dos arguidos, desde 2016. Ambos terão morrido em combate na Síria.

Ouvido durante toda a manhã, Rómulo, DJ e produtor musical em Londres, alegou que a Jihad a que se refere em algumas letras das músicas que escreve “não tem nada a ver com guerra santa”, mas que “significa desenvolvimento pessoal”, cita o Observador. E assumiu apenas a frase “caiu e hão-de cair mais”, que disse após o homicídio de um militar britânico, em Londres. “Peço imensa desculpa ao tribunal, foi um comentário imaturo e irresponsável, não há justificação para tal.”

O julgamento do outro arguido deste processo, Cassimo Turé, ficou para a parte da tarde, mas o português avisou que não vai falar. Deixará explicações para o final do julgamento. É acusado de também se ter radicalizado e apoiado a ida para a Síria de outros jovens muçulmanos, através de um esquema de financiamento envolvendo dinheiros públicos no Reino Unido. É lá que vive e trabalha, como empregado de limpeza num centro comercial de Londres, e onde se encontra com uma medida de coação ligeira (termo de identidade e residência). Chegou ao tribunal de cara tapada — além da máscara, um capuz —, acompanhado pelo advogado oficioso e sem dizer palavra.

Ao contrário do que aconteceu há uma semana, na manhã desta terça-feira o aparato policial no Campus da Justiça é grande, envolvendo diferentes equipas da PSP, entre as quais a Unidade Especial de Polícia, e o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional. A essa diferença não é alheia a segunda sessão do julgamento de Rui Pinto, que decorre numa das salas do mesmo Tribunal Judicial de Lisboa.

O Expresso foi um dos órgãos de comunicação social impedidos de entrar no julgamento dos alegados jiadistas, cuja sala tem espaço para apenas quatro pessoas: dois jornalistas e dois familiares, que não marcaram presença. Essas vagas foram ocupadas por outro órgão de comunicação social e por mais um agente da polícia, facto que o tribunal justificou ao Expresso com “questões de segurança”.