Sociedade

A trovoada da última noite pode voltar esta terça-feira. E vai ser cada vez mais frequente

Durante o dia esteve ao largo do Alentejo, ainda no oceano. Com o passar das horas foi-se aproximando de terra e, a partir das 22h, várias zonas no centro do país ouviram os trovões e viram os fortes raios de luz. E lá pelo meio a chuva. É julho, é verão e houve uma tempestade. Isto é normal?

A tempestade em Lisboa
Pedro Fiuza/ Getty Images

A culpa é da temperatura. Também do vento e do oceano. E é ainda culpa da humidade. Na verdade foi a conjugação de todos estes fatores que transformaram a noite desta segunda-feira, iluminada e barulhenta. A trovoada que se fez sentir sobretudo nas regiões centro e Lisboa e Vale do Tejo tem uma explicação e não é um acontecimento raro. Longe disso.

“As descargas elétricas são frequentes nas estações intermédias, ou seja, na primavera e outono. Mas também acontecem várias vezes no verão”, começa por dizer ao Expresso Alfredo Rocha, professor de Meteorologia e Clima do Departamento de Física da Universidade de Aveiro. Neste caso, explica, o vento de sudoeste veio do oceano Atlântico com ar “muito quente e húmido”. Este ar, que se encontra nos níveis mais baixos da atmosfera, contrasta com o ar dos níveis mais altos, que é frio. “E sempre que isto acontece, ocorre uma tempestade intensa que gera as tais descargas elétricas. O que aconteceu esta segunda-feira é que essas tempestades e descargas estiveram a ocorrer durante todo o dia ao largo do Alentejo, no oceano, e ao fim do dia atingiram o continente.”

Mas como é que isto acontece? Ora, o tal ar quente e húmido sobe e há “uma movimentação vertical muito intensa”, arrefecendo rapidamente. Então a humidade condensa e forma as nuvens. “Se os níveis de ar não fossem húmidos, não havia tempestade. E quanto mais o são, mais intensa é a tempestade”, refere Alfredo Rocha. “E isto só acontece com os ventos que vêm de sudoeste, que fazem uma trajetória muito grande de oceano até chegarem a terra. Carregam uma grande quantidade de vapor de água. Se os ventos vierem do norte de África, por exemplo, que só apanha um bocadinho de mar, o vento é seco e não húmido. Portanto, não há tempestade.”

No inverno fenómenos como este não acontecem com tanta frequência, pois mesmo quando o vento sopra de sudoeste, a temperatura à superfície não é tão elevada e o ar dos níveis mais baixos da atmosfera não choca com o do nível superior. “No verão, tempestades destas até costumam acontecer muito no interior do Alentejo, sobretudo ao final da tarde, porque a temperatura é muito elevada à superfície”, exemplifica Alfredo Rocha.

Como já dizia uma senhora há uns anos numa entrevista, popularizada no YouTube, “o problema é da humidade”.

(Mais) um sinal de que as alterações climáticas são reais

O que aconteceu na noite desta segunda-feira, e que pode vir a repetir-se esta terça-feira, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), é um fenómeno tipicamente dos trópicos. “A tendência é que no futuro venha a ser cada vez mais frequente porque nos estamos a aproximar de um clima tropical com o aumento da temperatura. Isto não é uma consequência direta das alterações climáticas mas é mais um sinal de que estão a acontecer, com o aquecimento global e, consequentemente, estas tempestades”, nota Alfredo Rocha.

A página do IPMA mostra que as descargas elétricas de segunda-feira se moveram e estão agora em Espanha, nas regiões da Estremadura e Andaluzia. “Se olharmos para o mapa dá ideia que passaram por Portugal e agora seguiram para Espanha. Mas isto não quer dizer que não se repita esta terça-feira. Aliás, as previsões apontam para o contrário, sobretudo nas regiões do centro e sul do país.”

As previsões favoráveis à ocorrência de trovoada levaram o IPMA a deixar sob aviso amarelo 12 distritos: Bragança, Viseu, Évora, Guarda, Vila Real, Setúbal, Portalegre, Beja, Lisboa, Leiria, Santarém e Castelo Branco. Vai estar em vigor até às 00h de quarta-feira. O aviso amarelo, o terceiro mais grave numa escala de cinco, é emitido sempre que existe uma situação de risco para determinadas atividades dependentes da situação meteorológica.

A Proteção Civil registou até à manhã desta segunda-feira 76 ocorrências, boa parte relacionada com a trovoada que se fez sentir durante a noite e provocou dezenas de ignições. Os distritos de Castelo Branco (16), Santarém (oito), Lisboa (cinco) e Setúbal (cinco) foram os mais afetados.