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Expresso

Sociedade

“De que precisa?”: capítulo XI de “Um Desastre Humanitário”

O Expresso tem publicado um conjunto de artigos sobre aquilo a que os Médicos Sem Fronteiras chamaram “um novo desastre humanitário”: a Turquia, país com quase quatro milhões de refugiados, abriu as suas fronteiras e muitos desses refugiados começaram a passar - sobretudo rumo à Grécia, onde o Governo local chamou “invasão” ao que está a acontecer. Retomamos agora a série “Um Desastre Humanitário”, com uma atualização por semana: este é o capítulo XI

Um dos muitos autocarros que partiram de Istambul no começo do mês, com dezenas de pessoas a bordo na esperança de conseguirem atravessar para a Europa
NurPhoto/ Getty Images

Marta Gonçalves

O saco grande pouco tinha: um resto de leite no fundo do pacote e algumas bolachas. Andreia aproximou-se e sentou-se com a mulher que esperava na estação de autocarros de Istambul com os quatro filhos - o mais novo ainda nem fez os dois anos, o mais velho tem sete. Resta-lhes muito pouco. Têm-se uns aos outros e um saco grande com quase nada dentro. No dia em que a abertura da fronteira foi anunciada largaram tudo e entraram num autocarro até ao fim da Turquia e quase-quase até ao princípio da Europa. Mas faltava estar aberto o lado europeu, que nunca viria a abrir. Passaram-se dias e a mulher e os filhos voltaram a subir ao autocarro.

“Foram felizes e voltam devastados todos eles”, conta Andreia Cardoso, de 27 anos, que está a fazer o mestrado em Relações Internacionais na Turquia e que tem estado como voluntária na estação de autocarros de Istambul, onde, tal como a mulher e os quatro filhos, dezenas de migrantes e refugiados têm chegado diariamente derrotados da tentativa de passar para a Grécia. “A mais recente decisão do Governo é tirar as pessoas das zonas próximas da fronteira. Por causa do coronavírus, a Turquia também fechou o lado turco da fronteira.”

Migrantes juntam-se no terminal de autocarros poucas horas depois de Erdogan anunciar a abertura das fronteiras, a 29 de fevereiro
Anadolu Agency/ Getty Images

Os rumores começaram assim: quem saísse de Edirne, a última cidade turca antes da Grécia, e retornasse a Istambul receberia algum dinheiro e um bilhete para viajar de Istambul até à cidade onde viviam antes de correrem para a fronteira. Rumores. Isso não aconteceu. Mas pessoas começaram a chegar à estação de autocarros. E rumores à parte, a verdade é que o objetivo é que as cerca de 15 mil pessoas que se juntaram em Edirne saiam de lá.

“Há quase um incentivo para que os migrantes e refugiados tentem atravessar”, diz Andreia. As autoridades dão-lhes cordas e outras ferramentas para tentarem cortar o arame farpado e entrarem ilegalmente na Grécia. “Avisam-nos: ou atravessam ou vamos levar-vos de volta a Istambul. Os que tentam são apanhados muitas vezes pelos militares gregos, que lhes tiram as roupas, o dinheiro, os documentos. Deixam-nos novamente na Turquia e voltam absolutamente sem nada.”

E, entranto, à estação de autocarros onde Andreia encontrou a mãe com os quatro filhos chegam mais e mais pessoas. Na semana passada eram algumas dezenas. Este domingo eram 200. “A estimativa é que vá aumentar, que venham todos os que estão na fronteira.” Metade são crianças. “Na semana passada eram maioritariamente afegãos, agora são sobretudo sírios.” Metade são famílias, a outra são homens sozinhos.

Rumores. Outra vez

Um pão, algumas frutas, uma lata de feijão e outra de atum, um pacote de leite. Um cabaz destes fica a cerca de dois euros. Mais quatro ou cinco para um cobertor. São bens essenciais como estes que Andreia e outros voluntários têm comprado diariamente para distribuir pelas pessoas que continuam a chegar. “Arranjamos ainda uns xaropes para a tosse, que não são caros e, como finalmente a Turquia começa a estar mais consciente do novo coronavírus, temos distribuído também gel desinfectante e luvas”, conta (se quiser contribuir, pode fazê-lo através desta ou desta plataformas de crowdfunding).

Fotografia tirada por Andreia no terminal de autocarros
Andreia Cardoso

“Até há uns tempos, o município tinha uma carrinha que distribuía um copo de sopa e pão por volta das 06h, que era a hora da primeira reza do dia nas mesquitas. Era a única fonte de alimento de muitos dos que ficavam no terminal de autocarros. Mas isso acabou com as restrições da covid-19, já não há nada. A cidade está fechada”, descreve. “Este fim de semana andámos a medir temperaturas e andava tudo entre os 37 e os 39 graus. Estão quase todos doentes, vestem roupa demasiado leve e têm imensa tosse.”

Tentam ainda comprar os tais bilhetes de regresso às cidades onde as pessoas estavam antes da abertura da fronteira. Com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados, as viagens estão asseguradas para todos aqueles que têm documentos. Mas muitos não os têm, alguns porque lhes foram tirados - cerca de 80%, diz a voluntária portuguesa. “O que todos nos contam é que com as notícias de que podiam passar largaram tudo, os que já tinham arrendado casa, por exemplo, entregaram as chaves. O plano era não voltar à Turquia. Nunca pensaram que era isto que ia acontecer.”

Edirne transformou-se numa espécie de campo de refugiados à espera de entrarem na Europa
Anadolu Agency/ Getty Images

Ao telefone com o Expresso, Andreia explica que com quatro milhões de refugiados sírios - mais todos os outros -, a Turquia obriga a que cada um deles se registe nas cidades onde chegam e aí permaneçam, em Istambul (“é muito procurada porque é a cidade com mais oportunidades de emprego”), só podem ficar aqueles que conseguem um trabalho.

Corre agora um novo rumor entre os migrantes e refugiados que esperam a sua vez de sair da Turquia: se continuarem junto à fronteira, as condições atuais em que se encontram são consideras uma violação dos Direitos Humanos e, por isso, a União Europeia tem de fazer algo para os ajudar e retirá-los dali. Rumores. Outra vez.

Estar sem estar

A pergunta é quase sempre a mesma: “De que precisa?”, A resposta é quase sempre igual, sem palavras e apenas com um encolher de ombros. “Como quem diz: ‘a minha situação é esta, no que conseguirem ajudar’. Nem dizem que necessitam de comida ou roupa. Mas acho que o que querem mesmo é ser ouvidos. Em todo este processo nunca ninguém parou para as ouvir. Sabemos que há guerra no país de origem, mas não sabemos as condições em que vivem na Turquia”, considera a voluntária.

Em Edirne, junto à fronteira há ainda milhares de pessoas num acampamento improvisado
Anadolu Agency/ Getty Images

Andreia está na Turquia desde setembro, antes coordenou projetos relacionados com educação na Grécia (mesmo durante o pico da denominada “crise de refugiados”, em 2016) e esteve alguns meses no Bangladesh. Agora encontrou um país que “quase vive no meio de uma crise económica e instabilidade política, está presente na guerra da Síria, tem imensos problemas de fronteiras” e em que tudo isto se reflete na sociedade turca. “Começam a perder a paciência e não têm qualquer empatia e projetam nos sírios a culpa de todos os problemas, embora estes já existissem antes. A ideia generalizada dos turcos é que os migrantes e refugiados é que se quiseram ir embora, apesar de ter sido um anúncio do Governo que os fez correr para a fronteira.”

Os autocarros regressam de Edirne e estacionam em Istambul ainda de madrugada. As pessoas procuram esquinas, locais mais pequenos e abrigados onde se possam resguardar do frio, têm estado três ou quatro graus durante as noites. Os primeiros que chegaram ainda encontraram abertas as portas da grande mesquita do terminal de autocarros. Agora já não estão mais. É medida de prevenção por causa do coronavírus, justificam as autoridades.

“As pessoas estão ali mas não estão. Olhamos para elas e não estão. Não dormem, não tomam banho há dias ou semanas. As crianças têm olheiras, estão magras e sujas”, descreve Andreia. “E falam com toda a naturalidade do que se passa na fronteira, da violência, de como a polícia grega lhes atirava gás lacrimogéneo. Aquilo que vejo é que as pessoas não conseguem ter noção do que estão a passar e que, no fundo, são um instrumento político de uma situação que é muito maior que elas.”

Pessoas protegem-se do gás lacrimogéneo lançado pelas autoridades gregas junto à fronteira
Anadolu Agency/ Getty Images

A equipa de voluntários com que Andreia trabalha já conseguiu arranjar uma pequena loja desocupada que vai servindo de abrigo a algumas pessoas - e cujo espaço não é suficiente para manter a regra do distanciamento social; levou uma criança de nove anos ao hospital porque tinha uma ferida “enorme exposta no pé” mas “trocaram-lhe o penso e puseram-no na rua”; pôs um refugiado sírio em contacto com uma organização não-governamental alemã, com a qual o jovem em tempos já tinha colaborado em alguns projetos; tentou que uma mulher que conta ter sido violada pelas autoridades gregas recebesse assistência; pediu ao município que desse abrigo a estas pessoas mas não o fazem porque receiam que estejam infetadas pelo novo coronavírus e que a sua integração possa espalhar a covid-19.

A cada um deles entregam sempre um papel com os números de telemóvel dos voluntários. Tentam ajudar como podem. “As pessoas estão muito cansadas e têm muito pouca força para mais uma coisa.”

Estimam-se que na fronteira estejam cerca de 15 mil pessoas prestes a recuar e a desistir da Europa. Esta semana ainda só chegaram ao terminal de autocarros de Istambul cerca de mil, incluindo a mãe e os quatro filhos. Já não têm nada, nem meias para aquecer os pés.

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