O termo vem dos anos 90 mas ganhou abrangência e um novo significado com as redes sociais. O FOMO não é considerado uma doença, mas Luís Gonçalves, psicólogo e psicoterapeuta que trabalha com adolescentes e adultos e se tem dedicado à implementação de projetos ligados à saúde mental nas organizações, acredita que sê-lo-á em breve, ou não fosse tão comum o fenómeno ou tão graves problemas que lhe estão associados — “a sensação de queda”, a ansiedade, a adição e os sintomas depressivos. Os adolescentes são os mais vulneráveis, mas não os únicos afetados.
Antes de mais, pergunto: o que é afinal o FOMO?
Este termo, FOMO, já vem dos anos 90 mas começou a ser utilizado de forma mais abrangente com o crescimento das redes sociais. Em português significa “medo de ficar de fora”, isto é, medo de perder algo que se considere interessante e de estar desligado da Internet e, em específico, das redes sociais. Isso causa elevados níveis de ansiedade em algumas pessoas, precisamente por haver a sensação de se estar a perder uma série de coisas, como aquilo que os amigos ou outras pessoas que se segue nas redes sociais estão a fazer, ou eventos, acontecimentos. Esta ansiedade causada pelo FOMO tem potencial para criar muitos outros problemas. E quando falo de ansiedade refiro-me a um estado de agitação que impede a pessoa de estar no momento presente e aproveitar o que está a fazer porque sente uma grande necessidade de acompanhar as atualizações nas redes sociais, de estar atualizado, no fundo.
Mas isso é mais ou menos comum em hoje em dia entre os utilizadores das redes sociais. Quando é que se torna um problema?
Torna-se um problema quando a pessoa percebe que está dependente desse comportamento. Uma coisa é querer estar atento e utilizar as redes sociais como um complemento, outra é deixar que o conteúdo digital e a procura por informação e novidades assuma total controlo sobre nós. Isso faz com que se comece a sentir dificuldades em aproveitar a própria vida. Às tantas, a pessoa fica mais focada naquilo que não tem do que naquilo que tem, e todas essas imagens e vídeos e outros conteúdos a que acede, e que são partilhados por outras pessoas, levam-na a esquecer-se de si e da sua vida. Vivemos numa época em que tudo é demasiado rápido, e imediato. Se, por exemplo, chega ao mercado um novo smartphone, vamos imediatamente a correr comprá-lo, mas entretanto percebemos que até já saiu um modelo mais recente e que o que tínhamos já está desatualizado. Os nossos níveis de satisfação são muitos breves. Não é que a necessidade de atualização e novidade não seja normal ou não esteja até estudada, mas deve sempre ser contrabalançada com outra, que é a necessidade de sermos capazes de aproveitar o que temos, e isso nem sempre acontece.
Mas onde é que entram as redes sociais?
No caso das redes sociais — e não quero com isto dizer que elas não são importantes, porque são — há cada vez mais pessoas dependentes dessa necessidade de atualização, de saber o que estão os outros a fazer e onde estão e com quem. Difícil, no entanto, é assumir que isso é um problema, daí que também não haja ainda uma definição médica para o FOMO. Será um bocadinho como o burnout, que só há pouco tempo foi considerado uma doença pela Organização Mundial de Saúde, depois de se começar a falar mais sobre o assunto. No caso do FOMO, é de facto difícil perceber que está a afetar as várias áreas da nossa vida, e é difícil porque estar ligado à Internet e às redes sociais tornou-se algo natural.
Pode falar-se em sintomas de FOMO?
Podemos, e talvez o primeiro indício de que algo não está bem é quando a pessoa começa a sentir menos prazer no dia a dia e nas suas relações pessoais, na forma como cuida de si, no seu trabalho e tempo livre, ou quando todos os seus prazeres começam a estar associados às redes sociais. Desinvestir nas relações interpessoais, mantidas presencialmente, é aliás um dos sintomas mais relevantes e que mais informações dá sobre o que se está a passar. O que acontece hoje em dia é que quanto mais ligadas as pessoas estão às redes sociais, mais dificuldade têm nas relações interpessoais. É como se fôssemos ganhando ferrugem nas nossas relações com os outros. Estamos mais focados em ser algo do quem em aceitarmos quem somos, e isso contamina as nossas relações. Outros sintomas têm que ver com a ansiedade, com a existência de muitos pensamentos relacionados com a tal procura de informação digital e de emoções desconfortáveis. Os comportamentos de verificação começam também a ser muito frequentes, e há um grande sentimento de culpa.
Culpa?
Sim, a pessoa sente-se culpada por ter estado desligada das redes sociais por um determinado período de tempo. É muito comum esse sentimento. Com o tempo, isto acaba por se transformar numa adição. A pessoa sente que devia estar atualizada e, não estando, começa a sabotar os momentos de bem-estar do seu dia a dia. Está a interagir com outras pessoas e está constantemente a verificar o telemóvel para ver as notificações. São sinais de dependência, dependência essa que também acaba por criar problemas de comunicação e inclusivamente no que diz respeito ao sono.
Como assim?
Os problemas ao nível do sono têm que ver com o acordar a meio da noite porque a mente está continuamente à procura dos estímulos que recebe durante o dia. Não podemos esquecer-nos que os estímulos digitais, por envolverem imagem, cor, som, são altamente poderosos do ponto de vista psicológico. O cérebro fica altamente sensibilizado e sente prazer do ponto de vista químico. Tem que ver com a ação da dopamina, o chamado neurotransmissor da recompensa. A partilha de um conteúdo online que fomente a interação com outras pessoas faz com que os níveis de dopamina aumentem e, consequentemente, o sentimento de satisfação. Isto é algo positivo, mas só até ao ponto em que não se cria uma dependência. Porque depois, quando o resultado não é o esperado, quando há menos feedback do que se esperava a uma determinada publicação na rede social, gera-se o efeito contrário, e isso tem consequências ao nível do humor. Há uma sensação de queda, começa a haver ansiedade e podem surgir também sintomas depressivos. Sintomas que, de resto, só aparecem porque não nos permitimos a sentir o que temos cá dentro. A tristeza, por si só, não deprime ninguém.
O que é que as pessoas têm mais medo de estar a perder nas redes sociais? Partilhas de amigos? Notícias?
O medo de estar a perder algo está mais associado às partilhas dos amigos sobre os eventos em que estão a participar e os lugares onde estão. A imagem de suposta felicidade que as pessoas transmitem nas redes sociais é altamente cativante. São partilhadas fotografias ou vídeos de “momentos felizes em família” ou de viagens ou do novo automóvel que se acabou de comprar e nós ficamos naturalmente atentos a isso. Mas há pessoas, e é aqui que entra o FOMO, que ficam tão focados neste processo e nesta partilha de aparente felicidade que se tornam altamente insatisfeitas, incluindo com a sua própria vida. Procuram sempre aquilo que os outros têm.
Conhece muitos casos em que isso aconteça?
Acontece com vários dos meus pacientes, sobretudo os mais jovens. Um exemplo: se decidem, por alguma razão, ficar em casa quando todos os seus amigos foram sair, e estes começam a colocar informação nas redes sociais sobre o que estão a fazer, começam a sentir-se horrivelmente mal por não estarem presentes. Ainda para mais, como já aqui referi, porque há uma tendência para se publicar mais conteúdos positivos do que negativos. As pessoas vão sempre transmitir a ideia de que está a ser a melhor noite das suas vidas, mesmo que estejam aborrecidas. Os adolescentes, por razões variadas, sentem cada vez mais os efeitos disto. Voltando ao exemplo que estava a dar-lhe, até podem acabar por sair também, mas depois vão estar o tempo todo a fazer partilhas sobre o que está a acontecer e nem conseguem aproveitar a tal festa. São casos que considero graves, em que o medo de ficar de fora e de ser excluído, e a dificuldade em desligar, já se tornaram, de facto, um problema.
São as próprias pessoas que se apercebem disso e tomam a iniciativa de procurar ajuda?
Nem sempre as pessoas se apercebem que isto é um problema porque, como há tanta gente a ter este comportamento, isso acaba por legitimá-lo. Eu gosto de inverter um bocadinho isto e levar a que pessoa pergunte a si própria: mas então como é que eu me sinto quando não tenho o telemóvel por perto? Essa simples questão pode dar respostas muito úteis. Se eu, quando não tenho o telemóvel por perto, começo a pensar no que estou a perder ou a sentir-me inquieto, até de uma forma física, então é porque ele talvez já esteja a desempenhar um papel demasiado importante. E não é só isso, é também começar a sentir uma insatisfação com a própria vida e só conseguir dar resposta a essa insatisfação e sentir-se bem recorrendo ao telemóvel.
Há pouco falava dos adolescentes. São os que mais o procuram com este tipo de queixas?
Não consigo responder com precisão à pergunta porque, como o tema é relativamente recente, ainda não há estudos de prevalência. Mas a minha experiência clínica mostra-me que, embora sejam os adolescentes que mostram sinais mais evidentes deste tipo de comportamento, também os adultos são afetados pelo FOMO. É um problema transversal e a idade não é decisiva. E, voltando aos adolescentes, é interessante verificar que, cada vez mais, são eles que tomam a iniciativa de procurar ajuda. Lembro-me de um caso, que não me passou pelas mãos mas tomei conhecimento de outra forma, de alguém que se apercebeu dos sinais através do contacto com os amigos. Observou certos comportamentos neles que percebeu estar a fazer também. E percebeu que sentia a mesma ansiedade que eles sentiam em relação às redes sociais. Que partilhar algo sobre um acontecimento se tinha tornado mais importante do que viver efetivamente esse acontecimento. E que por causa das redes sociais muitos colegas não iam às aulas ou iam mas não estavam atentos por causa do telemóvel. A dada altura pensou ‘espera lá, mas isto também está a acontecer comigo’.
Mas pedem ajuda especificamente por causa do FOMO?
Na maioria dos casos não pedem ajuda especificamente por causa disso. Simplesmente apercebem-se de que algo não está bem e depois nós acabamos por descobrir que é essa adição às redes sociais que está a alimentar tudo o resto. Aliás, o FOMO até costuma aparecer ligado à ansiedade, depressão e burnout, como algo que está a potenciar esse desgaste. Noutros casos, as queixas têm que ver diretamente com o problema. Há já clínicas, noutros países que não Portugal, que ajudam as pessoas a recuperar da adição do WhatsApp.
Do WhatsApp especificamente?
O WhatsApp está muito presente no nosso dia a dia porque é usado para fins profissionais e pessoais. E há pessoas que ficam tão conectadas que começam a sentir efeitos físicos brutais semelhantes aos de uma ressaca.
Como assim?
Tem que ver com a questão da ansiedade, ansiedade extrema devido à ausência do tal estímulo digital, e que pode manifestar-se através da transpiração, tremores, etc. Claro que há fatores que potenciam isto e outros que nos protegem. Há uma pergunta importante que deve ser feita — será que temos formas adequados de cuidar de nós próprios e somos capazes de parar e fazer um equilíbrio entre responsabilidade e lazer? Se sim, estaremos mais protegidos em relação a este tipo de problemas, que muitas vezes surgem e apanham determinadas vulnerabilidades.
Como se trata o FOMO?
Numa fase inicial trabalha-se a nível comportamental, tendo como foco o contacto da pessoa com a fonte desses estímulos. A pessoa aprende, por exemplo, a usar o telemóvel e as redes sociais e outras aplicações apenas em momentos específicos do dia em vez de o fazer a todo o momento. Isso ajuda-a a recuperar algum controlo sobre a situação. No início sentirá alguma estranheza porque o cérebro está de tal maneira condicionado que vai pedir regularmente esses estímulos, vai pedir que veja as notificações para saber o que está a acontecer. Mas depois a pessoa apercebe-se de que está a conseguir aproveitar novamente o momento presente sem perder o que de bom as redes sociais têm para oferecer. Também é importante ajudar a pessoa a diversificar as suas fontes de prazer e a encontrar estratégias para lidar com a ansiedade, assim como explorar as tais vulnerabilidades que fizeram com que esse tal “medo de ficar de fora” resultasse numa dependência das redes sociais.
O que seria, para si, um caso grave de FOMO?
Posso dar-lhe um exemplo. Imagine alguém que desempenha um cargo profissional considerado importante e tem uma relação estável mas a certa altura, e precisamente por ter um dia a dia tão exigente, começa a abdicar do contacto com amigos, das atividades com que costumava ocupar o seu tempo livre, e a isolar-se, encontrando nas redes sociais tudo aquilo que sente de que precisa e de forma muito rápida. Há uma espécie de compensação pela falta de disponibilidade para o resto. A vida profissional começa depois a deteriorar-se pelas dificuldades em estar focado no trabalho, assim como a vida pessoal, com todos os problemas que isso lhe trará.