Sociedade

Pai e filha de um ano morrem afogados quando tentavam migrar para os EUA

Pai e filha morreram ao tentar cruzar o rio Grande, a partir do México, rumo ao sonho americano. A história é mais uma tragédia a envolver migrantes mas tem uma imagem muito dolorosa para lhe dar testemunho, motivo pelo qual alertamos os leitores para a violência da fotografia contida no interior deste artigo

Chegados à cidade mexicana de Matamoros, pisar solo norte-americano está à distância de um rio. O mesmo que Óscar Ramírez tentou atravessar no domingo, levando consigo Valeria, a sua filha bebé, enganado pela aparente serenidade de um determinado troço do rio Grande. A fotografia mostra os corpos de pai e filha, deitados de bruços e unidos pela mesma t-shirt, mas não chega para contar as suas histórias, dolorosamente coincidentes com a que o mundo conheceu através de uma outra imagem, captada numa praia turca em 2015.

É de facto impossível não recordar Alan Kurdi, o menino sírio arrastado para a areia depois de se ter voltado a frágil embarcação onde a família tentava chegar à Grécia, cruzando o mar Egeu, em plena crise de refugiados. A mãe e o irmão morreram também.

Desta vez foi testemunha da tragédia a própria mãe de Valeria, que presenciou sem lhes conseguir acudir o momento em que a corrente arrastou o marido e a bebé (estava quase a celebrar dois anos de vida). Depois de alertar as autoridades e de os corpos terem sido encontrados, cumpriu a formalidade de os reconhecer, aguardando agora saber como e quando estes podem ser trasladados para El Salvador, de onde a família é natural e onde pretende realizar os funerais.

Óscar, 25 anos, e Tania, de 21, deixaram San Martín, município a oriente de São Salvador, no dia 3 de abril. Ao “elsavador.com”, a mãe de Óscar recordou esta segunda-feira como lhes “rogou” que ficassem, apesar das muitas dificuldades e da pobreza - ele trabalhava numa pizzaria e ela deixara recentemente o emprego num restaurante de comida chinesa para poder cuidar da bebé. A motivação para partir resultava da determinação do casal em garantir um futuro melhor para a filha, explicou também outra familiar.

Mantiveram o contacto. Durante dois meses as notícias chegaram a partir de um albergue para imigrantes na cidade de Tapachula, onde o casal foi acolhido, e sabiam que o plano de ambos era fixarem-se em Matamoros para tentarem então obter asilo e cruzarem a fronteira.

Abraham Pineda-Jácome

Desesperados pela espera

Os trâmites burocráticos e o tempo de espera começou porém a impacientá-los. “Eles disseram que estavam com medo, atendendo à situação com os migrantes e a pressão exercida por Trump - por isso decidiram atravessar o rio. Queriam entregar-se aos serviços de imigração dos Estados Unidos”, disse Wendy, irmã de Óscar.

Isso mesmo lhe adiantou o irmão no domingo, às 13h38, hora de El Salvador, quando trocaram mensagens através do Facebook. Três horas mais tarde, Wendy atendia a chamada da cunhada, que aos soluços e desesperada transmitia a pior das notícias: “O Óscar e a menina afogaram-se”.

Mais tarde, um pouco mais tranquila, conseguiu explicar como tudo aconteceu: o marido tratou de colocar Valeria junto ao peito, acomodando-a dentro da t-shirt para a manter mais segura, apertando-a também entre os braços. De repente, as águas - que pareciam calmas - começaram a denunciar a forte corrente que os puxava. Tania e um outro amigo salvadorenho que os acompanhava começaram a assustar-se, medo que se agravou quando em determinado momento pareceu que Óscar estava a perder a bebé. O amigo mergulhou para os ajudar, mas a partir daí instalou-se a confusão, com o rio a arrastar pai e filha.

Os corpos viriam a ser encontrados já esta segunda-feira, mas outro problema aflige a família, depois de ter sido informada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros que as funerárias podem cobrar cerca de 7.500 dólares (mais de 6.500 euros) pelo repatriamento dos corpos.

Enquanto isso, o movimento das caravanas de migrantes não cessa. Cruzam a fronteira sul do México, vindas de El Salvador, Guatemala e Honduras, mas também de Cuba, Haiti e de vários países africanos e asiáticos.

O número de migrantes tornou-se um grave problema social, agravado pelo acordo entre o governo dos Estados Unidos e o governo mexicano, que acertaram várias medidas, como o envio de tropas mexicanas da Guarda Nacional para reforçar o controlo da fronteira.

Conhecedoras do desespero de quem tudo está disposto a arriscar, depois deste caso as autoridades voltam a alertar: “O rio não ajuda; cobra vidas”.