Recordo-me de ouvir na minha infância o termo “velha gaiteira” aplicado a mulheres; de alguma idade mas ainda espevitadas. Não recordo se se aplicaria a homens mas também não interessa nada porque, aqui, é de vinhos que falamos. Com a periodicidade que o bom gosto aconselha, levei a cabo mais uma prova de vinhos velhos. É verdade que uns estavam já “entrevados” mas outros, mais gaiteiros, quiseram dizer presente com todas as letras. Sendo um tema que já aqui falei algumas vezes, não é demais recordar alguma metodologia que uma prova destas deve seguir. A primeira atitude é de bonomia: temos de ter paciência para aceitar que alguns vinhos estão fora de forma por inúmeras razões e por isso não há que desesperar. A qualidade da rolha, o local onde estiveram guardados, a temperatura a que estiveram sujeitos e a respetiva variação verão/inverno, tudo contribui para a saúde do líquido, seja ele branco, tinto ou generoso. Há que decidir com uns dias de antecedência quais os vinhos a selecionar, colocando em pé as garrafas; de seguida, todos os vinhos deverão ser provados no dia da prova mas com antecedência de algumas horas para se detetarem problemas, como rolha, mofo ou qualquer desvio que impeça a prova. Os brancos não obrigam a decantação (mas pode fazê-la) e só depois de provados deverão ir para o frio. Os tintos, por norma geradores de mais depósito, deverão ser provados e decantados. Após a lavagem da garrafa pode voltar a colocar o vinho tinto na mesma. Chegado o momento, há que recorrer a todo o bom senso armazenado: não ter expectativas muito altas, estar preparado para ser surpreendido e, se a brincadeira para aí apontar, servir os vinhos tapados (às cegas) para se fazer um exercício da nossa base de dados mental: de que país ou região será, que casta poderá ser, que idade terá? Por fim, não tirar conclusões apressadas: uma má garrafa não significa que outras idênticas estarão mal, nos vinhos velhos há boas e más garrafas. Depois é provar e aprender, uma vez que, nas provas cegas, é errando que se aprende (isto sem retirar a graça que é acertarmos no vinho…). No meu caso voltou a acontecer o mesmo que em anteriores edições: os brancos portaram-se lindamente, desde um inesperado Colares branco de 1990, um Poço do Lobo Arinto de 1992, um Luís Pato Vinha Formal de 08, Foz de Arouce 09 e um arrebatador Maritávora Grande Reserva de 2011. Nenhum estava impróprio. Maravilha. Nos tintos, com dois deles decididamente mortos e enterrados, as alegrias foram menores mas os destaques foram para um Pellada Carrocel 06 e D’Avillez 01.
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Velhos, mas gaiteiros: impressões de uma prova cega de vinhos
Prazeres não óbvios, precisam-se