Nos anos mais recentes, temo-nos dado conta de um movimento curioso no sector do vinho, quer ao nível da viticultura quer da enologia. Esse movimento tende, na vinha, a recuperar castas adormecidas, algumas à beira da extinção. Na adega, desenterram-se ancestrais metodologias de vinificação e estágio (tema a tratar em próxima crónica). Este movimento tem coisas interessantes e inovadoras, sendo que as interessantes nem sempre são inovadoras e as inovadoras são, não raramente, pouco interessantes. Na vinha vemos tentativa de recobro de velhas variedades, de que o Vinho Verde que hoje falo é um exemplo: da casta Batoca (conhecida no Douro como Alvaraça), outrora desprezada porque apodrecia facilmente, existem hoje apenas cerca de três hectares (ha). O assunto é controverso: por um lado, ao longo da história foi-se fazendo uma seleção natural das castas que melhores resultados davam. É óbvio. No entanto, com os conhecimentos que hoje temos de viticultura, a seleção clonal e massal podem levar-nos a um novo conhecimento das castas, com bases científicas, e a recuperação pode assim trazer grandes surpresas, questionando o antigo abandono. Várias outras castas antigas da região dos Verdes estão a ser objeto da curiosidade dos produtores. É isto que se passa noutras paragens: em Champagne, ainda que séculos de produção tenham imposto as três castas clássicas — Pinot Noir, Pinot Meunier e Chardonnay —, há hoje quem faça ensaios com Pinot Blanc, Arbane e Petit Meslier, antigas variedades da região. Já em Bordéus, onde de há muito se sabe que dominam os Cabernets, Merlot e as castas de tempero, Malbec e Petit Verdot, há quem esteja a plantar as variedades que a história tinha arrumado no armário das recordações: Gros Verdot, Béquignol, Petit Péjac, Penouille, Pardotte e Jurançon Noir. Todo este movimento pode não conduzir a lado algum mas é interessante como recuperação de património. Em Colares — a microrregião da zona de Lisboa que tem melhor imprensa — imperam duas castas, a Ramisco nos tintos e a Malvasia nos brancos, aqui conhecida como Malvasia de Colares, para se diferenciar das ‘primas’ que, com nomes variados, estão espalhadas por todo o Mediterrâneo. Filha de duas castas dos Verdes, pensa-se que ‘migrou’ para sul e ali às portas de Lisboa originou uma nova variedade. Colares tem hoje apenas 13 ha plantados e aptos à certificação, metade branco. Em 2024 deu entrada na entidade certificadora um pedido para plantio de mais 0,7 ha. Segundo dados oficiais, em 2023 houve oito empresas (entre elas a Adega Regional) que comercializaram um total de 12 mil litros de vinho, cerca de 60% em tinto. Para termos noção do quão reduzida é esta litragem, basta lembrar que, sem grande esforço, uma vinha de Fernão Pires em Almeirim pode originar 25 mil litros em apenas um hectare. Mais uma vez é de património que falamos. Vale a pena o esforço? Sem dúvida, mas o consumidor tem de perceber que os custos de produção aqui são muito altos por comparação com outras zonas e que o PVP não pode ser o mesmo. A Alfrocheiro é casta prolífera, uma vez que é ‘mãe’ de 17 castas, tem mais expressão no Dão, mas também está presente no Alentejo e Tejo. É uma das nossas grandes castas.
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Ó vinho, voltas para trás? Em busca das castas do passado
O movimento de recuperar parte do passado tem coisas interessantes e inovadoras, sendo que as interessantes nem sempre são inovadoras e as inovadoras são, não raramente, pouco interessantes