Esta crónica está a ser escrita com uma semana de antecedência em relação à data de saída do Expresso. Ora, nesta semana anterior às eleições, com alguns quilómetros de estrada percorridos, sobretudo no Sul, já deu para perceber que a vinha está a “rebentar” à força toda. Começam a surgir as primeiras folhas e daqui em diante a velocidade é vertiginosa. Foi por isso que referi a data da escrita. É que daqui a mais uma semana estará bem mais vigorosa e regiões onde o processo ainda está atrasado estarão então a ver o novo ciclo que começa. A vinha é uma trepadeira e agarra-se onde pode; como por norma as vinhas estão aramadas, é a esses arames que ela se agarra e expande, normalmente com uma exuberância enorme, que obriga a corte da folhagem em excesso. Mas também existem cepas sem armação, as chamadas cepas em taça, muito vulgares em várias zonas de Espanha, por exemplo. Para obtermos bagos com mosto passível de ser transformado em vinho, estamos a contrariar a natureza da videira, estamos a podá-la quando ela não queria; estamos também a limitar o que ela produz, cortando cachos para o chão, quando são demais os que lá estão, estamos a pô-la ao nosso serviço. No entanto, mesmo não a deixando produzir tudo o que queria, a produção é excessiva e desse mal queixam-se muitos países da União Europeia. Fala-se que o Alentejo tem três colheitas em casa à espera de venda, a Espanha está inundada de vinho que depois alimenta o negócio do vinho a granel, a França destilou milhões de litros para fazer face aos excessos. Claro que tudo isto é uma verdadeira faca de dois gumes (não confundir com a de dois legumes...) porque quanto mais vinho há disponível, menos valor se dá ao quilo da uva, menos rendimento têm os lavradores, mais armas se dão às grandes superfícies para esmagar os preços, para contentamento dos consumidores. Não há como tornear o assunto. A Europa está a produzir a mais, numa época em que os consumidores estão a beber menos. O assunto é grave em todos os tipos de vinho mas tende a ficar muito sério nos licorosos (mais álcool e mais açúcar), de que o Vinho do Porto é o principal prejudicado. De destilados é melhor nem falar, o consumo atual é uma pequena percentagem do que foi há três ou quatro décadas. Há quem não esteja de acordo: ontem, num café minúsculo e banal de uma vila alentejana, chegou um cliente que afogou as mágoas num bagaço (antes das 10 da manhã). Estranho? Não! E o facto da garrafa do bagaço ser a única que o dono tinha à mão por baixo do balcão, também não…! Diz-se que quem salva as gamas de entrada do Vinho do Porto são os franceses, porque têm a tradição de beber um Porto antes da refeição (coisa que nós nem imaginamos o que seja...), mas nunca sabemos por quanto tempo isso se irá manter. Como não se deteta nenhum “movimento de fundo” que contrarie esta tendência e não se vê nenhuma empresa de Vinho do Porto a tentar resolver a questão, não se augura grande futuro. A videira, essa, nem quer saber: deem-lhe calor e água e vão ver o que é crescer. Há vinho a mais? Há guerra na Ucrânia? O Trump vai voltar? Ela, a desavergonhada, quer lá saber...
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Natureza prepara-se para novo ciclo: a vinha já rebenta e o tempo está a contar
Mas, logo por azar, as adegas estão cheias...