Há sempre alguém que nos diz que temos de seguir os exemplos dos nossos antepassados, aprender com os velhinhos, enfim, procurar reproduzir o que antigamente se fazia. No que se refere ao serviço dos vinhos é bom que se faça tábua rasa do conhecimento antigo. Devo confessar que pertenço àquele grupo de consumidores que, em tempos idos (e não há tantas décadas como isso), colocava as garrafas de tinto bem perto da lareira para “chambrear”, conceito que nos chegou via França (com sorte ainda foram os soldados de Junot...) e que foi mal apreendido. Colocar à temperatura da “chambre” era conveniente (sobretudo nos países muito frios) porque os vinhos estavam na cave, onde, literalmente, se morria de frio e eram trazidos para a sala com antecedência. Daqui até à lareira foi um pequeno passo. Tal como aconteceu com outros hábitos, o de beber o vinho tinto mais fresco foi uma conquista importante e relativamente recente. Conta-se a história que Fernando Nicolau de Almeida, o pai do Barca Velha, gostava dos tintos, sobretudo com alguma idade, bem acima dos 20° de temperatura, o que não seria tolerável hoje. Em boa verdade, os consumidores têm na cabeça a temperatura de 18° para os tintos, mas essa é uma temperatura bem abaixo do que se pensa. Foi isso que comprovei quando, num curso de provas, pedi para que cada um escrevesse no papel a que temperatura estava o tinto (que servi propositadamente a 24°) e quase todos disseram que estava a 18°! Com o hábito chegamos à temperatura certa num instante. Para refrescar vinhos temos várias práticas, umas mais aconselháveis que outras. Sugiro vivamente que se provem os vinhos antes de os refrescar. Alguns problemas, nomeadamente cheiro a rolha, são bem mais fáceis de detetar se o vinho não estiver muito frio. Após essa aprovação temos: o frigorífico, a manga de gelo, o balde de gelo e o congelador. No balde com cubos de gelo é obrigatório colocar água; é dessa forma que o branco fica fresco mais depressa e, ainda mais rapidamente, se se colocar umas boas colheradas de sal na água, agitando-a. Não há regras para brancos e tintos mas castas que geram tintos muito abertos de cor e de baixa graduação (Bastardo, Mourisco, Alvarelhão, Marufo, Malvasia Preta, Donzelinho, por exemplo) merecem ser consumidos mais frescos do que os tintos mais encorpados. Mesmo no caso dos brancos não existe uma temperatura única, sendo certo que os Vinhos Verdes do ano e sem estágios (em madeira ou inox) devem ser consumidos mais frescos do que os outros mais gordos, fermentados ou estagiados em barrica, por exemplo. Então falamos de 9 ou 10° para os mais leves e jovens e 12 a 13° para os brancos mais encorpados. Os tintos, mesmo os mais estruturados, ficam prejudicados por serem consumidos acima dos 20°: a temperatura faz sobressair o lado alcoólico do vinho que, assim, perde elegância e frescura. Ao invés, se bebido demasiado fresco (12 ou 13°), o tinto irá fazer sobressair os taninos, perdendo-se o lado da fruta. A regra só pode mesmo ser: beber vinho à temperatura certa, conceito que, como se imagina, varia conforme a estação do ano. O congelador é para último recurso, apenas. Para quem não quer levar estas ideias muito a peito, fique com a certeza de que é nesta época, e talvez no outono, que os tintos se conseguem beber... à temperatura ambiente!
Exclusivo
Sim ao arrefecimento global: segredos para refrescar o tinto
E não aos erros do passado