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Vinhos

A propósito de Bob Dylan

E da partida de um grande senhor

Anton Petrus/Getty Images

Quem tiver memória vínica recorda-se que nas primeiras garrafas do tinto Incógnito (alentejano, Cortes de Cima e feito com Syrah) estava incluída uma frase de Bob Dylan. Isto explica-se facilmente: o vinho, cuja primeira edição remonta a 1998, era feito com Syrah, uma casta então não autorizada na região porque não constava dos estatutos. Este tema daria outra crónica — é ridículo levantarem-se as vozes contra um vinho feito com uma casta não autorizada mas, logo que entra para os estatutos, passa de proscrita a adorada. Foi isso que aconteceu à Syrah, hoje omnipresente nos lotes dos tintos planície. Mas isto foi no século passado, há muito, muito tempo. O vinho indicava o nome Syrah com um anagrama e juntava-lhe a tal frase de Dylan: “para viver fora da lei tens de ser honesto”. Esta deveria ser uma frase escrita em letras bem gordas e colocada em muitas casas de produtores, para aprenderem. O facto de as uvas não falarem, o peso que têm o negócio dos vinhos baratos e o negócio do granel, a pressão das grandes superfícies e a necessidade de alimentar um público que aprecia a diferença e a ilusão da marginalidade, tudo isso deita a frase de Dylan por terra. O tema vem a propósito da morte de Louis Fabrice Latour, ocorrida há ano e meio. Ele era a face conhecida da Louis Latour, enorme empresa de Borgonha que continua a ostentar o nome da família; era o 11º membro da família a gerir a casa, fundada no séc. XVIII, e o 7º Louis Latour. A empresa (representada em Portugal pela Garcias) tem vinhas nas principais zonas da Borgonha (48 ha de vinhas próprias), com destaque para os Grand Cru Corton-Charlemagne e Chevalier-Montrachet, cerca de 24 ha, ou seja, a Louis Latour é a maior empresa em área de vinha em Grand Cru o que, numa região em que 1 ha de vinha pode custar milhões de euros, não é de somenos. Só estive com Louis Fabrice uma vez, em visita à Borgonha, há uns 7 anos. Os portugueses, entre Press e Trade, viajaram a convite da Garcias e foram recebidos principescamente pelo próprio como se se tratasse do mais importante grupo do planeta. Uma lição para as pseudoestrelas cá da terrinha. Começámos na tanoaria da empresa, tudo foi explicado e fomos para a sede em plena vinha, visitámos a cave dos segredos e almoçámos na ampla sala do château. Foi precisamente no meio da vinha Grand Cru Corton-Charlemagne (aconselho visita ao site da empresa que vem lá tudo…), onde nos custa a perceber que cada pé seja tão valioso assim e em que cada garrafa vale centenas de euros, que L. Latour abriu o jogo e deu razão a Dylan. Disse, sem hesitar, que face à pressão das doenças da vinha que nesse ano estavam a ser demolidoras e a deitarem abaixo o trabalho de um ano, tinham abandonado a certificação bio para poderem salvar as vinhas e as uvas. E concluiu: “Ao preço a que vendemos os vinhos, não podemos correr riscos.” De nada adianta ser bio se isso leva à perda da produção. Neste como noutros temas (e já por várias vezes aqui falámos) é o bom senso, aliado a algum pragmatismo e à honestidade, que deve nortear a atividade do produtor. Quando é possível, é, quando não é, não adianta fingir. Há quem ache que se pode ir lá de outra maneira mas há que lembrar a célebre frase brasileira: “Mi mente que eu gosto!”