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Vinhos

Rendido aos brancos? Não foi bem uma revolução, mas não faltaram mudanças

João Paulo Martins revela o que mudou no mundo dos vinhos

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Com muita frequência tenho sugerido aqui vinhos brancos. Isso não se deve a um qualquer sectarismo em relação aos tintos, antes reflete aquilo que tem sido uma mudança de paradigma no que à diversidade e qualidade dos brancos diz respeito. Neste tema específico acho que não devemos ter qualquer nostalgia em relação ao passado, do tipo, os brancos agora estão todos iguais e antigamente é que era bom. Não é verdade, qualquer que seja o prisma de análise. Os vinhos (brancos e tintos) aqui ou em qualquer outro país produtor, dividem-se, pelo menos, em dois grupos: os vinhos-bebida e os vinhos com ambição. No primeiro grupo encontramos o contingente geral, os milhões de garrafas que alimentam os consumidores que se abastecem em grandes superfícies. São vinhos bem feitos, esses sim sempre iguais, não querem ser mais do que uma companhia agradável da refeição. São aqueles que costumo dizer, brincando, que é fácil fazer já a nota de prova da colheita de 2024; o modelo é sempre igual. Já aqui trouxe, como sugestão, alguns deles porque, com uma boa relação qualidade/preço, são por vezes vinhos interessantes. Antes falava-se em vindima. Ponto. Era tudo a eito, brancos e tintos. Hoje há, não uma mas várias vindimas; brancos antes dos tintos, por casta e por tipo de vinho que se quer fazer, por localização da vinha, por análises da maturação das uvas para saber com que acidez e álcool provável contamos. Depois, na adega, não há uma, mas muitas maneiras de fazer o vinho branco: em cimento, em inox, em lagar, com ou sem películas, com ou sem engaço, em barrica nova ou usada, em balseiro, com ou sem controle de temperatura da fermentação, com ou sem leveduras inoculadas, estagiado ou não em madeira, colado e filtrado, sim ou não. E quando chegamos ao engarrafamento também há mais decisões: com rosca, com rolha de aglomerado ou de cortiça natural?, em que garrafa?, mais leve (com menor pegada de carbono) ou mais pesada, que confere um tom mais sério (há quem diga mais “nobre”) ao vinho. As dúvidas continuam: todo em garrafas normais ou também em magnuns e meias garrafas? E para acabar, que rótulo usar, com ou sem design de assinatura, em que papel, com que textura, etc. Termina-se o assunto com o embalamento. Em caixa de cartão ou de madeira?

Todas estas mudanças são relativamente recentes, têm apenas algumas décadas. Os vinhos ganharam muito com isso e os consumidores portugueses vieram a descobrir zonas de brancos onde antes se pensava que eram só os tintos que mereciam nota (caso flagrante do Douro e do Alentejo, mas também da Bairrada) e as escolhas hoje são imensas. Aqui há 30 anos, pôr um branco no mercado a €20 ou €30 era uma ousadia que roçava a loucura. Hoje temos vinhos brancos a custar mais de €100. Se valem esse preço é discussão académica. Se se venderem é porque valem e só valem se esse preço alto tiver continuidade no tempo. Sim, que isso de fazer um vinho muito caro apenas uma vez é uma brincadeira para iludir parolos. Antigamente havia bons brancos? Claro que sim, mas... o acaso tinha uma palavra a dizer. Das uvas faz-se vinho, mas, como se vê, ele não se faz por si. É difícil fazer muito bom, difícil vender e mais difícil ainda receber o produto da venda. Andam aí uns sonhadores que não subscrevem isto, mas, com certeza, não têm de pagar as contas. Nesses casos é fácil sonhar e mandar uns bitaites.