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Televisão: “Felp” é um espelho virado para uma sociedade que parece orgulhosa das suas falhas

“FELP” é bonecada, é crime, é nonsense, mas é, também, um reflexo em bruto do estado pouco empático a que a sociedade portuguesa chegou. Traz o carimbo do trio criativo da série-sensação “Pôr do Sol”

Inês Aires Pereira é uma das atrizes de carne e osso que se junta ao elenco peludo da série “FELP”, nova aposta da ficção nacional

Pode uma série de comédia, na qual atores de carne e osso contracenam com marionetas peludas, falar de coisas sérias? Pode. “FELP”, a nova aventura televisiva de Henrique Dias, Manuel Pureza e Rui Melo, trio criador da série-sensação, e fonte inesgotável de memes, “Pôr do Sol”, é prova disso. Se formos preguiçosos, podemos encará-la como uma espécie de “Rua Sésamo” para adultos, mas enquanto o clássico programa infantil, estreado em 1969 nos Estados Unidos e com versão portuguesa exibida entre 1989 e 1996, incute nos mais novos o respeito pelos outros, “FELP” reflete a crescente, e notória, falta de empatia que vai corroendo a sociedade portuguesa. Irreverente, politicamente incorreta e forte em linguagem considerada imprópria, a nova grande aposta da ficção nacional, é isso e muito mais. Enquanto “Pôr do Sol” se apresentava como uma paródia às telenovelas, uma espécie de carta de amor envenenada ao popular género televisivo, “FELP” traz alfinetadas às séries de crime — e subtis vénias a uma saudosa “Duarte & C.ª”, “Inspetor Max” ou, arriscamos, à esquecida “Claxon” —, com a trama a ter como ponto de partida o estranho caso dos raptos de bonecos, seres integrados na sociedade que, como qualquer minoria, são olhados de lado, menosprezados e desrespeitados pela ruidosa maioria. A conversa pode parecer séria, mas as piadas são tão ridiculamente tontas (quando não são corrosivas) e as interpretações de Anabela Moreira, como engenheira Isabel Lima, presidente da empresa de tapetes Tapamisto e defensora da comunidade ‘bonequística’ que não é bem o que parece, e Rui Melo, o saudoso Simão Bournon de Linhaça, inesquecível vilão de “Pôr do Sol”, aqui como inspetor-chefe Paulo Brito, são verdadeiras masterclasses de humor.