Salim, descendente de comerciantes indianos, decide comprar uma loja. Não está na Índia nem na Europa, como a família, mas num não-nomeado país africano recém-independente. Ou, mais precisamente, num lugar trans-histórico, uma cidadezinha do interior, na curva de um rio. Aquele sítio, como toda a África, já foi árabe, europeu, e tornou-se enfim africano, com as descolonizações negociadas ou conquistadas. É àquele lugar que Salim precariamente pertence, já que não se identifica com a educação que teve, é um muçulmano agnóstico, nunca esteve na Europa, não é negro, nem árabe, nem inglês ou francês, e também não se sente completamente africano. Deve a essa identidade fluida uma perspectiva lúcida, não-sentimental, do espaço onde vive e do tempo que vive.
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Livros: A África não-sentimental de “A Curva do Rio”, de V. S. Naipaul
“A Curva do Rio” (1979) é um romance antiafricano, que entende África como um lugar de onde se quer sair assim que possível, tal como V. S. Naipaul saiu de Trindade, nas Caraíbas, para se tornar romancista. Objecções literárias não há: a prosa é excelente, as figuras credíveis, o enredo bem gizado, o pessimismo tragicómico, e o facto de haver pessoas (e não apenas ideias) atenua a sobranceria