Há muitos anos, quando uma jovem amiga de vida boémia (como dantes se dizia) teve um filho, lembro-me de ela contar que adquirira um novo estatuto pelo simples facto de ter passado a ser mãe. Digo simples facto, mas na verdade ele nada tem de simples. É um facto biológico, psicológico e social onde se misturam muitas conceções do que é e do que deve ser. A narradora de “A Filha Única” posiciona-se claramente contra a visão tradicional, normativa, do papel das mulheres como essencialmente parideiras — essa conceção que, numa evolução bizarra, voltou agora a ter defensores públicos. Laura não quer ter filhos, e a sua amiga Alina também não. Que ambas sejam mulheres independentes, com carreiras a explorar e imenso mundo a conhecer (mexicanas, elas tornam-se amigas em Paris) não é alheio a essa opção, que constitui um elo entre as duas. Mas como nada na vida corre exatamente segundo previsto, um dia Alina surpreende a amiga anunciando que ela e o seu companheiro decidiram ser pais e farão o necessário para o conseguir, incluindo inseminação artificial. Laura, que fora ao ponto de laquear as trompas quando o seu próprio companheiro manifestara o desejo de ser pai, chega a pensar que a amizade entre as duas não vai resistir. Mas resiste, e toma direções inesperadas.
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Livros: As mulheres de Guadalupe Nettel
A mexicana Guadalupe Nettel escreve, em “A Filha Única”, um romance fragmentário sobre o que se espera ou não das mulheres. E sobre como a vida pode inverter-se, reinventar-se ou desabar de um momento para o outro