No início desta novela assumidamente autobiográfica, a narradora, quase sexagenária, está num consultório médico, à espera do resultado de um teste de VIH. Uns meses antes, “num ato de fraqueza”, aceitara voltar a ver um homem com quem já não se relacionava e temia que ele tivesse vindo de Itália apenas para lhe transmitir o vírus da sida. O ano é 1999, a fase mais negra da pandemia já ficara para trás, os cocktails eficazes de medicamentos haviam reduzido a mortalidade, mas a palavra ‘seropositivo’ ainda queimava, ainda guardava uma aura de espada de Dâmocles, de porta maldita que ninguém espera ter de abrir.
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O que revela o autobiográfico “O Acontecimento” sobre Annie Ernaux?
Num livro de espantosa lucidez, Annie Ernaux transforma a memória de um aborto clandestino numa experiência literária dura, intransigente e inesperadamente bela. O crítico José Mário Silva escreve sobre “O Acontecimento”, romance autobiográfico da vencedora do Nobel da Literatura 2022