Grandes temas

Que União Europeia vamos ter? O tema tem estado fora da campanha, mas o que nos dizem os partidos?

O que muda com a guerra na Ucrânia? Os programas exploraram pouco o tema e os debates também. A expectativa é que como vêm aí as eleições europeias logo a seguir, a política externa e europeia vai apenas aí tomar conta do debate

Tiago Pereira Santos com Freepik

A entrada da Ucrânia na União Europeia não está ao virar da esquina, mas o tema do alargamento veio para ficar, impulsionado pelo regresso da guerra ao continente europeu. Enquanto o conflito com a Rússia decorrer não há entrada possível dos ucranianos, mas o processo e o apoio a Kiev está na agenda europeia, obrigando Portugal e os restantes Estados-membros a tomar decisões inéditas e a fazer uma profunda reflexão do ponto de vista político, económico e geostratégico, quer sobre alargamento, quer sobre Defesa.

O tema tem estado arredado do debate político nesta campanha eleitoral, apesar de ser definidor de muito do que pode acontecer ao país nos próximos anos: teremos o mesmo nível de apoios europeus? Passaremos a contribuidores líquidos?

Primeiro, como estamos. Apesar dos ventos fortes em alguns países europeus, com vários países a elegerem partidos com agenda antieuropeísta, os líderes europeus conseguiram chegar a acordo no final do ano para o início das negociações para a adesão da Ucrânia e da Moldova à União Europeia. Um passo acelerado pela guerra a que muitos países resistiram, com o primeiro-ministro António Costa à cabeça - dizia que não se podia dar falsas esperanças se não fosse concretizada a adesão -, apesar de depois ter ido moldando a sua posição.

Apesar da centralidade do tema, o assunto não é pouco ou nada referido nos programas eleitorais. Só a Iniciativa Liberalescreve preto no branco que defende a entrada da Ucrânia na União Europeia (UE), considerando que se trata de "um imperativo geopolítico" e que Portugal deve prestar-lhe apoio para que cumpra as muitas metas para lá chegar. Só não é dito quando nem como.

A Aliança Democrática (AD) também defende o "apoio ao processo de adesão à UE", mas o programa é mais cuidadoso na escolha de palavras e no âmbito dos compromissos. E o PS ainda mais. Apoiar o alargamento à Ucrânia, sim, mas os dois partidos consideram que a UE tem primeiro de fazer uma reforma institucional, que lhe permita acolher novos membros. Na verdade, a posição semelhante à que Costa tinha no início, em que defendia que era preciso assegurar que a entrada de um país com a dimensão de território e de população da Ucrânia não movia ainda mais o eixo europeu para leste, desguarnecendo a frente atlântica e mexendo nos equilíbrios em políticas europeias tão importantes quanto a Política Agrícola Comum ou a política de Coesão.

O tema tem alimentado trocas de acusações entre PSD e PS, com o eurodeputado Paulo Rangel a acusar o governo português e António Costa de "pôr reservas" ao processo "seja por causa dos fundos" ou "das falsas expectativas". Na última semana, voltou a fazê-lo. No Parlamento Europeu, o social-democrata considerou que o alargamento à Ucrânia - e a outros países candidatos - é "mais do que um desígnio estratégico", é também "um direito dos povos destes países.

Mas o programa da AD não vai tão longe como Rangel. PS e PSD não estão assim tão afastados nesta questão, pelo menos no papel. Apesar das reservas e avisos de António Costa sobre a necessidade de não se frustrar as expectativas dos ucranianos, o país apoiou a atribuição do estatuto de país candidato e a abertura de negociações com a Ucrânia, sem criar qualquer entrave.

Mas também é verdade que o programa de Governo dos socialistas coloca mais exigências a quem quer entrar para o clube dos 27. No papel, o PS lembra que é preciso o "cumprimento escrupuloso dos critérios de Copenhaga" e que a UE não pode aumentar de dimensão à custa da Política de Coesão e da Política Agrícola Comum.

Basta ouvir os protestos dos agricultores por toda a Europa e as queixas em relação à entrada de produtos ucranianos - como aves ou cereais - para se perceber como a agricultura da Ucrânia é competitiva e deverá ser uma dor de cabeça no dia em que for preciso repartir o orçamento europeu por mais países, sobretudo uma das suas maiores fatias: a PAC.

Mudar o orçamento da União Europeia? Como?

É o outro lado da moeda que tem de ser discutido. Uma coisa é a discussão política, outra é a económica. A entrada de um país com a dimensão da Ucrânia exige uma forte reorganização do orçamento comunitário. Será precisa a mesma ambição que se teve aquando do grande alargamento de 2004.

No entanto, os programas eleitorais não exploram a questão. Aliás, o programa eleitoral do Chega é totalmente omisso em relação à guerra da Ucrânia e à posição que o país deve ter.

Ricardo Borges de Castro considera que "é preciso" debater questões "fundamentais" como a Ucrânia, a segurança e a defesa da Europa. O analista do think tank European Policy Center (EPC) compreende que a campanha para as legislativas se foque mais no estado da economia interna, da saúde ou da educação, mas avisa que, do ponto de vista externo, a Ucrânia “é o problema maior” que os europeus têm pela frente. E Portugal não deve passar à margem do debate.

"Tem a ver com o posicionamento geoestratégico de Portugal e da sua política externa", diz ao Expresso. "Se a Ucrânia perder esta Guerra, e no pior dos cenários for ocupada pela Rússia, nós vamos ter aqui um período de enorme instabilidade por anos e anos".

O Livre assume totalmente a inspiração federalista europeia, que o afasta de outros partidos de esquerda, como o Bloco. O partido de Rui Tavares concorda em dar seguimento ao processo de alargamento da UE, mas tal como o PS avisa que não pode ser a qualquer custo. Para o Livre há uma linha vermelha, não se pode acelerar o processo "por questões geopolíticas".

A questão é: há condições para a União Europeia aumentar de tamanho durante os próximos cinco anos, que é o tempo de uma legislatura europeia, no qual cabem quatro anos de uma legislatura nacional?

"Nada é um dado adquirido", responde Marta Mucznik, analista do International Crisis Group. Lembra que há países que são candidatos há mais de uma década, nomeadamente nos Balcãs Ocidentais. "Há demasiadas variáveis", desde o cumprimento de critérios dos países, "à vontade política" dos 27.

Já Ricardo Borges de Castro acredita que a UE pode começar a "dar sinais" e a acolher países mais pequenos e que estão mais avançados no processo de adesão, como o Montenegro. Um passo que poderia "servir de incentivo". Mas em que ponto estará a adesão da maioria dos países candidatos, incluindo a Ucrânia, no final s década? É uma incógnita.

PCP diverge no apoio militar à Ucrânia

"Creio que a política externa deveria ter muito mais espaço no debate nacional", diz Marta Mucznik. Mas o tema teve pouco espaço nas discussões entres os líderes e candidatos a primeiro-ministros.

No debate das Rádios, porém, ficou claro que praticamente todos concordam com a continuação do apoio militar à Ucrânia.Só o PCP divergiu expressamente. Paulo Raimundo defendeu que o apoio deve cingir-se à economia, por exemplo à reconstrução do país. No programa legislativo, os comunistas criticam "as opções erradas do governo PS", acusando-o de apoiar a "criminosa e belicista política dos EUA". Pedem um "política de paz". Nada dizem sobre alargamento.

Nos debates, Mariana Mortágua foi favorável à continuação do apoio financeiro e militar a Kiev - assegurando a autodeterminação - mas no programa eleitoral do BE o que está escrito é uma crítica à "escalda armamentista" que para o partido "há muito" que devia ter sido substituída "pelas negociações de paz". "A União Europeia tem-se revelado completamente incapaz de tal posição e, dentro dela, Portugal também", escrevem.

Lá fora, BE e PCP sentam-se na mesma bancada no Parlamento Europeu e são ambos contra a pertença de Portugal à NATO. Mas os dois partidos de esquerda divergem em muitos pontos da política externa. No início da guerra da Ucrânia, o BE não teve dúvidas em condenar a invasão, ao contrário do que aconteceu com os comunistas. Já o alargamento, está também ausente do programa do Bloco.

O PAN também pede uma "política externa promotora da paz". Mas concorda com a necessidade Portugal prosseguir e reforçar o "esforço de apoio logístico e financeiro à Ucrânia, destinado ao combate à Rússia e à reconstrução do país". Nada é dito sobre a adesão de novos estados-membros.

"Não há a perceção de que esta questão seja existencial para os europeus da Europa ocidental e, nomeadamente, Portugal. Apelos ao apoio à Ucrânia não valem muito se não forem acompanhados de debate e reflexão sobre o forço nacional que tal exige", diz Marta Mucznik.

O conflito na Ucrânia, que está, aliás, num impasse, desencadeou um debate paralelo sobre a necessidade um maior investimento em defesa, que deverá continuar a marcar as eleições europeias. Uma discussão que ganha ainda mais relevância face ao receio de um reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que lance dúvidas sobre a disponibilidade dos norte-americanos e da NATO para sair em auxílio dos aliados europeus.

"Vai ser uma discussão difícil", admite Ricardo Borges de Castro, referindo-se às "necessidades de investimento muito elevadas", à delicada questão da soberania nesta área e aos interesses da indústria de guerra.

No debate das Rádios, os partidos foram questionados sobre a meta de 2% do PIB para o investimento em defesa, assumida pela Aliança Atlântica. Nem Pedro Nuno Santos, nem Luís Montenegro antecipam lá chegar nos próximos anos, caso venham a ser Governo. O PS mantém o objetivo assumido pelo atual Governo de só atingir os 2% em 2030, e a AD argumenta que há outras prioridades.

Os restantes partidos não foram tão concretos em relação à meta. E André Ventura esteve ausente do debate. Foi, aliás, o único e, portanto, o que não está explicado no programa eleitoral do Chega, também não foi explicado nas rádios.

Ventura disse em fevereiro que o apoio à Ucrânia “tem de ser inquestionável”, incluindo do ponto de vista militar. Mas, ao mesmo tempo, aceita os vídeos e apoio de Viktor Orbán ao Chega. E o primeiro-ministro húngaro é o único líder a questionar a estratégia europeia de suporte a Kiev, opondo-se à continuação do apoio militar e sendo muitas vezes visto como um Cavalo de Tróia de Putin na UE.

Os dois encontraram-se, aliás, em outubro do ano passado. Orbán atrasou a aprovação do pacote de ajuda financeira à Ucrânia e em dezembro tentou travar a abertura das negociações de adesão com o país. Acabou por sair da sala dos líderes europeus para poder vender internamente que não tinha participado na votação - ainda que a ausência tenha sido, na prática, uma aprovação.

Europeias são segunda oportunidade

"Espero que quando passarmos para a fase das eleições europeias estes temas sejam discutidos", diz Ricardo Borges de Casto. O analista do EPC considera que "são fundamentais" e que o eleitor não deve ser tratado como se não os compreendesse.

As europeias de 9 de junho são a segunda oportunidade para discutir temas que ficaram mais esquecidos nas legislativas, e podem então ter até mais destaque. Para isso, será preciso contrariar a tendência de outros anos, em que as questões nacionais acabaram também a dominar a agenda dos partidos concorrentes ao Parlamento Europeu.

Outro assunto do momento é a guerra no Médio Oriente. E há partidos, sobretudo à esquerda, que têm uma posição clara sobre o que Portugal poderia fazer mais. O Governo tem sido muito crítico de Israel e reforçado o apelo a um cessar-fogo imediato em Gaza, mas para o Bloco de Esquerda, o Livre, o PCP e até o PAN o país deveria ir mais longe, ao reconhecer a Palestina como Estado Independente, sem esperar pela UE, onde as divisões sobre o conflito são conhecidas.