O presidente do Parlamento sugeriu esta quarta-feira a criação de uma figura regimental de voto de "rejeição" para condenar discursos de ódio ou declarações insultuosas, quando for feita uma nova revisão do regimento da Assembleia da República (AR).
A proposta foi avançada durante a reunião da conferência de líderes, que dedicou cerca de uma hora e meia à reflexão sobre os limites à liberdade de expressão, na sequência das declarações polémicas de André Ventura sobre o povo turco e do presidente da Assembleia da República sobre como entendia a liberdade dos deputados no Parlamento. Esse voto de rejeição poderia ser votado quase instantaneamente, servindo de repúdio a declarações contra terceiros. Mas dificilmente avançará para já, uma vez que PS e PSD entendem que não há motivos para voltar a alterar o regimento.
“Esta reflexão fez-nos notar que são mais os pontos de consenso sobre até onde vão os limites da liberdade de expressão. Nesta matéria não há qualquer dissonância relativamente ao que consta do Estatuto dos Deputados e do Regimento da Assembleia da República (AR)”, afirmou o porta-voz da Conferência de líderes, o social-democrata Jorge Paulo Oliveira, no final da reunião.
Segundo o secretário da mesa, Aguiar-Branco distribuiu um dossier aos grupos parlamentares com um parecer com a sua interpretação jurídica do regimento sobre os limites à liberdade de expressão e o poder de intervenção do PAR, do qual consta também um quadro de direito comparado neste domínio, com vista a não deixar “margem de dúvidas” para o futuro. “Não cabe ao presidente da AR a avaliação do discurso político, ainda que eticamente desvalioso, nem lhe compete em nome dos poderes regimentais que lhe são conferidos, instituir uma cultura de cancelamento linguístico, freando opiniões e assumindo-se como guardião do aceitável e do politicamente correto”, pode ler-se no documento a que o Expresso teve acesso.
A avaliação do discurso político, acrescenta ainda o PAR, faz-se “com recurso a argumentos e com a confrontação objetiva da verdade dos factos, nunca por via da imposição do silêncio ou de censura”.
Contudo, verificaram-se, mais uma vez, divergências na conferência de líderes sobre o poder de intervenção do presidente do Parlamento relativamente ao incidente que ocorreu na última sexta-feira, com a esquerda a insistir que cabe ao presidente do Parlamento fazer advertências perante ofensas ou injúrias.
Em causa está a alínea 3 do artigo 89.º do Regimento do Parlamento sobre o “uso da palavra”, que refere que “o orador é advertido pelo presidente da Assembleia quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra. Uma obrigação no entendimento do PS, PCP, Bloco e Livre.
Esquerda vinca “obrigação” do PAR de fazer advertências
“Para o PS não é um problema de liberdade de expressão, nem censura, mas de respeito pela dignidade do Parlamento. Temos a convicção de que o regimento confere ao PAR ferramentas e mecanismos para proceder a essa autorregulação”, afirmou a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, acrescentando que as “linhas vermelhas” não devem ser teorizadas em conferência de líderes, uma vez que o regimento é claro e cabe a Aguiar-Branco a "responsbabilidade na condução dos trabalhos.
Também a comunista Paula Santos sublinhou que o regimento permite ao presidente do Parlamento intervir e que a sua “obrigação” é advertir os deputados quando estiverem em causa discursos injuriosos, ogensivos e insultuosos, de ódio ou teor racista e xenófobo. “Não pode haver ofensas a povos”, disse perentória.
O bloquista Fabian Figueiredo considerou igualmente que o debate parlamentar deve ser feito com “respeito” pelo regimento, o que significa que o PAR deve advertir os parlamentares sempre que necessário. “A extrema-direita procura buscar distrações para não debater”, atirou o líder da bancada do Bloco, defendendo que é importante fazer pedagogia na AR.
Rui Tavares lamentou o tema não tenha ficado “esclarecido”, alertando que a "polarização" da sociedade e o aumento do “discurso de ódio” vai continuar no Parlamento se não houver travões por parte de quem conduz os trabalhos. O deputado do Livre insistiu que a segunda figura do Estado tem “responsabilidades” e não pode resumi-las a um sistema de semáforo para limitar o tempo das intervenções no plenário. “Vamos ver se o sistema de semáforos é de facto justo”, observou.
Direita defende liberdade de expressão
Já o PSD, CDS, CH e IL voltaram a sair em defesa da liberdade de expressão no Parlamento, recusando a ideia de censura aos deputados. “O Presidente da Assembleia da República tem razão em não ser censor para cumprir a liberdade expressão. É mesmo o povo português que deve ver se se revê ou não na forma como cada deputado se manifesta” , disse o líder da bancada do PSD, Hugo Soares.
Na mesma linha, o centrista Paulo Núncio advogou que é preciso defender “intransigentemente” o direito à liberdade de expressão, consagrada na Lei Fundamental, memso que não s concorde com o que é dito. “Para o CDS não há censura boa ou má”, reforçou, reconhecendo, contudo, que o partido não concorda com as declarações do líder do CH sobre o povo turco.
Pela IL, Mariana Leitão defendeu que a situação é “muito clara” e se Aguiar-Branco tivesse tomado alguma iniciativa para censurar a liberdade de expressão impediria os outros deputados de exercer o direito ao contraditório.
“O que tivemos nos últimos dias foi perseguição política ao partido e ao PAR”, clamou, por sua vez, Pedro Pinto. O líder parlamentar do CH condena os partidos que querem “tentar condicionar” o discurso de alguns deputados, elogiando a lição que Aguiar-Branco deu sobre a liberdade de expressão.
Já sobre as denúncias feitas pela socialista Isabel Moreira de atitudes racistas e misóginas de deputados do CH contra deputados de outras bancadas, sobretudo mulheres, a segunda figura do Estado repudiou tais atitudes e pediu que sejam denunciadas.
“O PAR teve oportunidade de repudiar as atitudes racistas e de misoginia e solicitou aos grupos parlamentares que as situações sejam comunicadas ao presidente para poder atuar em conformidade com as normas do regimento e do Estatuto dos Deputados”, concluiu Jorge Paulo Oliveira.
Também a líder parlamentar da IL condenou tais situações, considerando-as “inadmissíveis”, e apelou às deputadas que denunciaram os casos para informarem o PAR.