Política

Caso CML/Rússia. Costa recusa responsabilidade política “por algo que não passa do balcão da Câmara de Lisboa”

À saída da Cimeira da NATO, o primeiro-ministro disse que a Câmara de Lisboa, liderada por Fernando Medina, já “adotou as medidas que se justificavam” em relação ao caso da partilha de dados de ativistas russos. E não se lembra se isso alguma vez aconteceu no tempo em que o próprio presidiu a autarquia lisboeta

António Costa, esta segunda-feira, à chegada à cimeira da NATO, em Bruxelas
KENZO TRIBOUILLARD / AFP / Getty Images

Foi o segundo comentário de António Costa a propósito do caso da partilha de dados pessoais de ativistas russos pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e não diferiu muito do primeiro, feito horas antes. “Obviamente, qualquer violação da proteção de dados é grave”, disse o primeiro-ministro, mas há duas notas que prefere sobrepor. A primeira é que Fernando Medina, presidente da autarquia, “adotou as medidas que se justificavam”. A segunda é que, mesmo que tenha havido violação da lei da proteção de dados, não foi posta em causa a posição portuguesa perante a NATO. “Ninguém tem dúvidas sobre qual é o papel de Portugal relativamente à Rússia”, repetiu.

O primeiro-ministro português prestou declarações aos jornalistas no final da 31ª Cimeira da Aliança Atlântica, em Bruxelas, e insistiu na conclusão principal que retira da história revelada pelo Expresso e pelo Observador na semana passada. “Não vejo como possa haver responsabilidade política de algo que não passa do balcão da Câmara de Lisboa.”

Que António Costa saiba, nem Medina nem “qualquer político” tiveram “qualquer tipo de intervenção” ou “sequer conhecimento” de que dados pessoais de manifestantes de países estrangeiros eram enviados para as respetivas embaixadas.

Congratulando-se pela abertura de uma auditoria interna, da CML, e de uma externa, da Comissão Nacional de Proteção de Dados, Costa lembrou que o executivo camarário detetou e “corrigiu a situação em abril” e “determinou a adoção de novos procedimentos”. Passaram dois meses e agora a mesma CML “está a fazer uma auditoria para averiguar em quantos casos ocorreu” a partilha de dados.

Os resultados dessa averiguação devem ser conhecidos ainda esta semana, num processo que recua a 2011, altura em que o próprio António Costa era presidente da CML. Foi nesse ano que se extinguiu a figura do governo civil em Portugal, órgão da administração pública presente em todos os distritos a quem competiam funções como a da gestão das manifestações. Depois de 2011, “a competência foi mal transferida paras as câmaras municipais”, criticou, o que coincidiu com parte do mandato de Costa, que deixou a presidência da autarquia lisboeta em 2015.

O atual primeiro-ministro não se recorda de alguma vez terem sido comunicados dados de ativistas a outros países e embaixadas. Mas também não garante que isso não tenha acontecido. “Não sei se ocorreu, se não ocorreu, sou-lhe sincero. Mas nunca foi tema”, notou.

Sobre a situação em que fica Fernando Medina, sucessor e próximo de Costa, o primeiro-ministro não quis alongar-se. Afirmou apenas que “as primeiras notícias procuraram dizer, ou induziram” a ideia de que “havia uma prática de colaboração da CML na perseguição e identificação de oposicionistas russos”, fazendo parecer que a autarquia “era uma espécie de centro de espionagem do senhor Putin na perseguição dos opositores”, quando, na verdade, se trata de “uma prática administrativa que a câmara está a auditar”. Mais do que isso, não compete ao PM pronunciar-se. “O poder autárquico é autónomo.”

Além das críticas ao momento inicial em que o caso se tornou público, António Costa reiterou a necessidade de rever a lei da manifestação, que data de 1974. “Se a lerem, verificarão como grande parte das normas deixaram de ser aplicadas”, como a proibição de manifestações antes das 19h em dias de semana ou a da articulação entre autoridades e forças militares. “As forças armadas hoje não são tidas nem havidas no processo de regular qualquer tipo de manifestação. Obviamente, é uma linguagem da época.”

O Governo já tinha anunciado uma proposta de lei para setembro sobre essa revisão, na sequência da manifestação agendada para o dia em que o Sporting se sagrou campeão nacional de futebol.