O PSD falou em “exercícios desproporcionados de autoridade”, o PCP, não se referindo exatamente à possibilidade de o Governo avançar com uma requisição civil caso não sejam cumpridos os serviços mínimos estipulados para a greve dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias, acusou os socialistas de impor limitações no direito à greve, o porta-voz do sindicato que representa aqueles trabalhadores, Pedro Pardal Henriques, afirmou que uma declaração preventiva de requisição civil é “bloquear praticamente o direito à greve”, e há até uma petição pública a circular, subscrita por vários sindicatos que afirmam, sem rodeios, que “o direito à greve está a ser violentamente atacado, — como nunca o foi até hoje — com o Governo de António Costa a pretender, com a intervenção do Exército, das forças policiais e dos bombeiros, destruir um direito fundamental dos trabalhadores”. Foram estabelecidos serviços mínimos para a greve dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias que começa já na próxima terça-feira, mas não é certo que eles venham a ser cumpridos e, portanto, o Governo já garantiu, pela voz do ministro das Infraestruturas, que está preparado para avançar com uma requisição civil.
A concretizar-se, será a terceira vez que o Governo liderado por António Costa recorre à requisição civil (mecanismo a que o Governo, qualquer governo, em “circunstâncias particularmente graves e de caráter excecional”, pode recorrer, chamando os trabalhadores para assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público). Fê-lo pela primeira vez na greve cirúrgica dos enfermeiros e na anterior paralisação dos motoristas de materiais perigosos. Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro, recorreu apenas uma vez à requisição civil, em 2014, durante a greve dos trabalhadores das empresas do grupo TAP, que tinham, na altura, convocado uma paralisação de quatro dias na última semana do ano, entre o Natal e a passagem de ano, contra a privatização da companhia. “Estamos preparados para fazer prevalecer o interesse público, o interesse dos portugueses”, afirmou o então ministro da Economia, António Pires de Lima.
PS sobre a requisição decretada por Passos. O “problema” é menos a requisição civil e mais o que a antecedeu
Será que nessa altura o PS também se rendeu aos encantos do mecanismo da requisição civil, como parece fazer desde que é Governo? Não é claro, no sentido em que a posição que tomou na altura não foi clara. Rui Paulo Figueiredo, coordenador da bancada socialista na Comissão Parlamentar de Economia, acusando o governo social-democrata de ser incapaz de “estabelecer compromissos e plataformas de diálogo” com os sindicatos da TAP e a oposição. “É um Governo que não dialoga com ninguém”, afirmou o coordenador, acusando Passos Coelho de ser “teimoso” e ter “preconceitos ideológicos”. O “problema”, acrescentou, nem é tanto a requisição civil, mas o que a antecedeu, o caminho até ali percorrido, e o que não se fez “para evitar chegar até aqui”. “O PS é contra termos chegado até aqui. O PS apelou várias vezes ao entendimento e também se disponibilizou para conversar com o Governo. O que importa é como saímos daqui”, acrescentou.
Já o PCP foi bem menos brando do que tem sido ao longo dos últimos dias — afirmou estar “frontalmente contra esta decisão” e considerou-a “antidemocrática e demagógica”, acusando ainda o Governo de ter provocado a decisão e questionado as razões que levaram ao pedido de requisição civil. Mas as diferenças percebem-se analisando a posição do Bloco de Esquerda, que na altura anunciou que iria avançar com um requerimento a pedir a presença do ministro Pires de Lima na comissão de Economia, para explicar a aprovação da greve, e desta vez ainda não disse nada.
PGR considera que Governo pode recorrer à requisição civil preventiva
Se o atual Governo quiser, pode obrigar os trabalhadores a cumprir os serviços mínimos que o próprio definiu e que variam entre os 50% para o abastecimento de todos os postos de combustível e os 100% para setores considerados prioritários (foi também anunciada uma mobilização de militares e elementos das Forças Armadas disponíveis para cumprir as determinações do Governo). O Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) decidiu nesse sentido, conforme avançou recentemente a SIC, que teve acesso às linhas gerais do parecer da PGR.
Mas a decisão não agradou a todos. Não agradou a Pedro Pardal Henrique, vice-presidente e advogado do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, e não agradou a vários outros sindicatos (com o o SEAL, dos estivadores, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, o Sindicato do Trabalhadores do Metropolitano de Lisboa, o Sindicato dos Trabalhadores do Sector Automóvel), que colocaram em marcha a já referida petição pública, em que pedem “solidariedade com os motoristas de matérias perigosas e de mercadorias”, “contra a miséria dos salários e a anulação do direito à greve”. Não agradou a alguns, como dizíamos, e deixou dúvidas noutros. O vice-presidente do PSD, David Justino, afirmou “estranhar a forma excessiva como [o Governo] se tem exposto perante a opinião pública no anúncio de medidas coercivas e de salvaguarda do funcionamento daqueles serviços” e defendeu que “a actual conjuntura política pré-eleitoral não pode ser aproveitada para exercícios desproporcionados de autoridade”. Quanto ao resto, está tudo bem, ou não tivesse o vice-presidente garantido que apoia a iniciativa do Governo de “garantir o funcionamento dos serviços indispensáveis”.