Marcelo Rebelo de Sousa considera que uma Lei de Bases de Saúde que "feche totalmente" a possibilidade de haver Parcerias Público-Privadas (PPP), ou seja, a gestão de hospitais públicos por privados, "é uma lei irrealista". Numa participação especial no programa de comentário político "O Outro Lado", na RTP3, o Presidente da República justificou que a sua opinião "não é ideológica, é pragmática".
Embora não tenha sido taxativo a dizer que vetava uma lei de bases que proibisse as PPP - como o Expresso noticiou este sábado - Marcelo sublinhou que deixava passar uma formulação como a prevista na proposta de lei do Governo, anterior às negociações com a esquerda: "Uma fórmula na base da apresentada pelo Governo, mais qualificativo, mas a título supletivo ou complementar, com uma válvula de escape, é um problema de sensatez. Não é um problema ideológico". E afirmou que, "se houve [essa válvula de escape] na proposta de lei, pode vir a haver" no articulado que sair do Parlamento, disse no programa moderado por José Adelino Faria, com a participação de Pedro Adão e Silva, José Eduardo Martins e Ana Drago.
O Presidente teve o cuidado de enfatizar, várias vezes, esta ideia de não ser "ideológico", até porque chegou a ser público que vetaria uma Lei de Bases só aprovada à esquerda, evoluindo depois para a sua aceitação no caso de o PSD se abster.
O projeto do Governo referido por Rebelo de Sousa referia-se à possibilidade de existência de PPP de forma diferente da que foi negociada parceiros de esquerda a semana passada, onde a gestão privada de hospitais ficaria excluída. O projeto de lei do Governo, que para Marcelo é uma posição sensata, dizia o seguinte: "A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas ou do setor social". A nova formulação não tem esta "válvula de escape" tão explícita.
Segundo o Presidente, para justificar a necessidade de uma porta aberta, "há-de haver situações em que a gestão pública do SNS integral não é possível. Já não é possível hoje e poderá não ser no futuro. Há crises financeiras, orçamentais, há situações de nichos", exemplificou.
A proposta inicial do Governo "traduziria o estado de espírito da maioria neste momento, mas permitiria no futuro acautelar a gestão mais ampla ou menos ampla de prestações de cuidados de saúde por parte do setor social e privado". A preocupação do Presidente é uma Lei de Bases impedir a atuação de Governos futuros.
Professores: "Perdeu-se a noção do problema de fundo"
Quando desafiado a comentar a questão da reposição das carreiras congeladas dos professores - e das carreiras especiais da função pública -, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou em dois sentidos: primeiro, invocou o risco de ser criada uma espécie de jurisprudência na reposição de direitos perdidos que seria repetida em crises futuras; segundo, falou numa sobrecarga das finanças públicas, que condicionaria o Governo a compromissos limitadores em momentos de emergência.
O Presidente deu argumentos jurídicos, como professor de Direito, mas registou que "é uma situação nova", este "sacrifício de direitos dos trabalhadores numa situação de emergência" de forma "lícita e legal". No caso de ser reposta a situação original dos professores, explicou Marcelo, "se houver uma qualquer crise, um Governo sabe que se tomar medidas de emergência tem de repor a situação" que ocorreria se não tivesse havido aquele contratempo. Esta é a questão essencial. Para o Chefe de Estado, ao deixarem misturar-se "vários debates" sobre o assunto, "perdeu-se a noção do problema de fundo".
No que se refere à lei-travão, que não permite ao Governo fazer despesa não autorizada, Marcelo referiu que pode ser previsto numa uma revisão constitucional hipotética que essa norma não seja circunscrita apenas a um ano - uma vez que há cada vez mais despesa e planeamento plurianual: "O problema é o seguinte", enunciou: "Deve ou não a norma da lei-travão ser circunscrita a um ano ou deve ser pensada em 'n' anos, tantos quantos se pode diferir aquilo que era só num ano?" O Presidente - que não tem poderes de revisão constitucional nem sequer de veto do que sai do Parlamento neste âmbito - admite que "pode ser uma forma possível". Mas aponta um senão: "Imaginemos que ocorre uma situação de emergência", e um Governo tem um grande "caderno de encargos com estes compromissos? É um problema novo que se pode coloca no futuro".