É mais conhecido como presidente do conselho de administração da Brisa, Autoestradas de Portugal, mas António Pires de Lima veio ao podcast Ser ou Não Ser como presidente do Business Council for Sustainable Development Portugal (BCSD), uma Associação sem fins lucrativos criada para ajudar as empresas portuguesas a fazer a transição dos seus negócios para a sustentabilidade.
O BCSD foi criado em 2001 por um grupo de empresários portugueses que percebeu que o tema da sustentabilidade seria decisivo para a competitividade das empresas. O grande impulsionador foi o engenheiro Belmiro de Azevedo que foi, inclusive, o primeiro presidente. Vasco de Mello e António Mexia também já estiveram ao leme desta associação. Os temas estratégicos do BCSD são a biodiversidade, cadeia de valor, cidades sustentáveis, economia circular, neutralidade carbónica e sustainable finance. Em três anos passaram de 90 para 170 empresas associadas. Esperam chegar às 200, em 2024.
“Aceitei ser presidente do BCSD porque sinto um dever, também como responsável da Brisa, de devolver à sociedade o muito que tenho recebido na minha vida”. António Pires de Lima admite ser um privilegiado, mas confessa viver com a frustração de não ter assistido à evolução do país da forma como gostaria que tivesse acontecido. Do ponto de vista de criação de riqueza, de desenvolvimento sustentável, combate à pobreza e desenvolvimento social. “Esta é a oportunidade que tenho de ajudar o universo empresarial, que conheço bem, a fazer esta transformação e a de ser um player fundamental nesta transição para uma economia mais verde e sustentável”.
Do lado bom da barricada
Na sua opinião, Portugal está, do ponto de vista da sustentabilidade e da transição energética, numa posição cimeira ao nível mundial. Isto porque fazemos parte do continente europeu. Seguimos as políticas e as diretivas europeias e a Europa é, no seu entender, o continente que mais tem evoluído no sentido da descarbonização e da proteção da biodiversidade. “Às vezes nem sei se temos a consciência do privilégio que temos de viver na Europa. Ao nível da descarbonização, por exemplo, nos últimos 15 anos, a Europa já reduziu as emissões de dióxido carbono em mais de 50%”. Para António Pires de Lima isto prova que é possível vivermos numa sociedade desenvolvida, equilibrada, que continua a crescer, sem ser ao ritmo de países competidores como a China ou a América e, ao mesmo tempo, que se consegue diminuir as emissões de dióxido de carbono. “A Europa tem agora mais floresta do que há 40 anos, talvez não tão biodiversa, mas infelizmente este é um panorama único no mundo”.
Em 2023, globalmente as emissões subiram 1,2%, atingindo o valor mais elevado de sempre. “Se continuarmos nesta rota, sem dar urgência e capacidade de execução a estas políticas de descarbonização e de biodiversidade, o mundo piorará muito durante as próximas décadas, até que possamos ter sinais de melhoria”, defende. E, apesar de a nossa conversa ter ocorrido antes das resoluções finais da COP 28, a Conferência das partes sobre as Mudanças Climáticas, realizada no Dubai, entre 4 e 12 de Dezembro, António Pires de Lima adiantou que “o grande problema em descuido em todas as COP é o compromisso dos países mais ricos ou desenvolvidos, nos quais se inclui Portugal, de financiarem de forma significativa aquilo que é a transição energética dos países mais pobres ou subdesenvolvidos”. Defende que não podemos pedir à Ásia, Índia, África ou à América Latina para não lutarem para ter uma economia mais rica e mais desenvolvida. “Temos é de criar os meios para que estes países possam fazer a transição, evitando os erros que fizemos no universo ocidental e no hemisfério Norte. Para isso é fundamental dotá-los de um enorme financiamento não para acudir às tragédias climáticas que já estão a acontecer, mas para evitá-las”.
Este não é um problema fácil de solucionar, isto porque estamos, segundo o presidente do BCSD, num paradigma muito complicado para as sociedades democráticas. O facto de não seguirem políticas ambientais sustentáveis, as consequências só serão vistas passadas três ou quatro gerações. “Estamos a trabalhar para 2050 ou 2100. Os políticos estão mais preocupados com a eleição do próximo mês e com o que vão dizer às pessoas para captar o seu voto. Muitos negam as alterações climáticas porque estas exigem uma visão de longo prazo. Estão mais preocupados com o sucesso político. Estão-se nas tintas para o que vai acontecer daqui a 10 ou 20 anos. Em Portugal, na Europa e no Mundo”.
Diversidade, equidade e inclusão no mundo empresarial português
No índice de desenvolvimento e inclusão do World Economic Fórum, Portugal ocupa o 32.º lugar entre 146 países, “portanto, mais uma vez temos a sorte de estar na Europa e de os países europeus estarem em posições cimeiras nestes temas”. Quando se olha para o campo de recrutamento das empresas verifica-se que há tantas mulheres a trabalhar como homens. O mesmo se sucede com a formação contudo, depois dá-se um fenómeno que não é desconhecido: “as mulheres têm mais dificuldade em evoluir na carreira. Só 1/3 das promoções é que contemplam mulheres. Há aqui uma discriminação negativa que dificilmente se pode justificar pelo mérito porque se saem da faculdade e muitas vezes sendo melhores alunas do que os homens então, por que é depois questionado o mérito?”
O BCSD em parceria com a consultora Ernst&Young realizou este ano, um estudo sobre a Diversidade, equidade e inclusão no mundo empresarial português onde participaram 73 empresas. Uma das conclusões é que no caso da Direção Executiva, por cada euro ganho pelo género masculino, o feminino recebe apenas 89 cêntimos. “Detetámos que mesmo quando as mulheres são promovidas, muitas vezes prevalece ainda um gap salarial que pode oscilar entre os 5% e os 20% em funções que parecem idênticas! No entanto, há muitas mulheres que ganham o mesmo”. Para António Pires de Lima, num mundo empresarial que se pretende moderno e bem gerido, isto é um fator de injustiça e de menor competitividade do país, porque empresas onde a paridade e a diversidade é mais respeitada são, regra geral, empresas melhor geridas e mais competitivas.
Outro problema que destaca nas empresas nacionais é a atração e a retenção de talento. “O tecido empresarial português não paga bem, nomeadamente quando se vai reduzindo a dimensão da empresa. As grandes empresas tantas vezes diabolizadas no discurso político em Portugal têm uma média salarial que é o dobro do país, já para não falar no que investem em inovação e desenvolvimento e das contribuições que dão para o pagamento de impostos sobre os lucros”. O gestor diz ainda que os jovens portugueses premiados com melhores salários também acabam por sofrer com a carga fiscal.
“Falo por mim, quando tinha 25 anos o que desejava? Ser autónomo. Ter a minha casa. Não era viver em casa dos meus pais”. António Pires de Lima põe o dedo na ferida comparando os jovens suecos que saem de casa aos 22 anos, quando em Portugal a idade sobe para os 30 anos. “Será que ficam em casa dos pais porque querem? Não. É porque não têm opção e trabalham. Esta é uma situação que merece ser pensada”. Não há desemprego em Portugal. Este ronda os 5% ou 6%. “A maioria das pessoas que vive do seu trabalho são pobres! Não têm autonomia para ter a sua casa e tomarem conta de si. Isto é triste”. Numa democracia com 50 anos esperar-se-ia que fosse ágil e moderna, que criasse gerações não só com mais talento, mas também com mais possibilidades de trabalho e maiores remunerações. “Aos 25 anos, em 1987, eu tinha mais possibilidades de criar a minha autonomia do que a maioria dos jovens de hoje, com a mesma idade”. O presidente do BCSD lamenta que estejamos a formar 50 mil licenciados por ano, para cerca de 20 mil saírem de Portugal, por necessidade de encontrar um trabalho melhor, um bom salário e impostos mais razoáveis.
Segundo dados que o BCSD possui divulgados pelas Associações empresariais, o salário médio, em Portugal, ronda os 1300 euros. “Precisamos de uma sociedade que valorize mais o mérito e a criação de riqueza. De uma sociedade que em vez de diabolizar veja alguns heróis naqueles que marcam a diferença por criarem boas empresas, darem emprego, pagarem e tratarem socialmente bem os seus empregados”. Na sua opinião, as microempresas são muito valorizadas relativamente às grandes e acredita que se vier uma nova campanha eleitoral não faltarão propostas para tributar os mais ricos, as empresas que ganham dinheiro. “Isto é uma miopia política. Precisamos de alterar esta cultura. Precisamos de qualificar mais os nossos empresários”.
António Pires de Lima diz que a economia portuguesa está mais competitiva. Hoje mais de 50% do PIB nacional advém das exportações. “Há dez anos era 28%. Quase que dobrámos a criação de riqueza fora de Portugal em competição com outras empresas pelo mundo. Os empresários portugueses merecem um voto de esperança e sinais políticos” e deixa um recado: “Quando se pensa em impostos sobre as empresas dever-se-ia tributar o que possa ter efeitos negativos e não taxar a criação de riqueza porque esta pode ser reinvestida na empresa, na economia e nas pessoas. É um bem que deveria ficar na empresa e não ser absorvido pela enorme carga fiscal”. O presidente do BCSD faz ainda um apelo a todas as empresas PME que se sintam perdidas neste universo de novas exigências: “peçam ajuda”.
'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.