SER

O próximo passo

Nesta particular encruzilhada, entre o que já estamos a fazer e o que podemos fazer mais, que é inevitável falarmos do papel das empresas e das organizações que já têm, no terreno, a capacidade de mobilizar um número significativo de empresas alinhadas no azimute de uma sustentabilidade efetiva, que vai além das palavras e dos pensamentos

Desde 2007, ano em que criei o meu primeiro projeto de impacto – a Terra dos Sonhos -, com um foco grande em aumentar os níveis de saúde emocional de segmentos da população mais fragilizados, no que a este particular e sistémico ponto da sustentabilidade das pessoas - a saúde mental – respeita, tenho observado, com esperança e entusiasmo, a criação de um verdadeiro ecossistema de agentes e dinâmicas, na sociedade, que têm alavancado a eficácia, eficiência e escala de novas soluções para problemas sociais, ambientais e organizacionais e de governança. Alguns problemas mais antigos e enraizados, outros bem mais recentes, mas com causas e ramificações igualmente desafiantes, como o problema da desinformação ou da polarização extremada de posições políticas, com consequências graves para o Planeta.

Organizações regionais, nacionais e multinacionais que procuram promover e aumentar o impacto de inovadores sociais com soluções disruptivas, como é o caso da Ashoka, do Social Innovation Exchange (SIX), ou do IES em Portugal, ou até o trabalho de Fundações como, em Portugal, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação EDP e a Fundação Ageas. Organizações que se focam em capacitar e acelerar certos verticais como o empreendedorismo e a inovação social no feminino, a economia circular ou a preservação da biodiversidade e a redução da pegada ecológica. E, finalmente, organizações setoriais, como é o caso do BCSD e do Grace, em Portugal e até, finalmente, de missões ligadas ao próprio Governo, como a Portugal Inovação Social, que tem sido fundamental na capacitação, financiamento e aceleração de projetos de transformação social em Portugal.

As Universidades, ao sistematizarem o conhecimento e transformarem-no em ferramentas facilmente utilizáveis pelos diversos agentes económicos, têm também desempenhado um papel fulcral e contribuído decisivamente para a consolidação deste verdadeiro motor de transformação de paradigma económico, para um modelo no qual a criação de valor acrescentado para a sociedade se torna o elemento aglutinador e mobilizador de uma economia cada vez mais convergente, na qual as forças vivas de todos os setores geram novas possibilidades de modelos mais equilibrados.

Mas então o que falta ainda fazer? Sabendo que falta ainda muito, e que sempre faltará, porque este será sempre um trabalho inacabado e em constante transformação orgânica, tal como acontece com todos os sistemas vivos, acredito, no entanto, que há alguns fatores que são alavancas fundamentais para a urgência que se impõe. Mas uma urgência que, sendo urgente – salve o pleonasmo – não é ainda, no entanto, desesperadamente catastrófica. A boa notícia é que ainda vamos a tempo de fazer mais, com tempo, e sem a necessidade de carregar no botão do pânico.

É nesta particular encruzilhada, entre o que já estamos a fazer e o que podemos fazer mais, que é inevitável falarmos do papel das empresas e das organizações que já têm, no terreno, a capacidade de mobilizar um número significativo de empresas alinhadas no azimute de uma sustentabilidade efetiva, que vai além das palavras e dos pensamentos. Estas têm um fator exponencial de influência que não deve ser desaproveitado.

Por um lado, penso que é relativamente óbvio que as empresas são o elemento central para a aceleração das transformações que precisamos de implementar:

- Porque têm os meios, financeiros e não financeiros, para o fazer – ou seja, porque podem;

- Porque têm os modelos com maior performance, bastando agora acrescentar a mesma proficiência (vontade e investimento) à criação de impacto positivo – ou seja, porque sabem como, ou têm a capacidade de saber;

- Porque têm nas suas mãos o poder de decidir qual o melhor destino a dar aos talentos das pessoas – ou seja, porque têm o capital mais valioso – o humano – a uma decisão de ser canalizado para o efeito, e com o poder de criar as condições para que o talento possa ser expandido;

- Porque são detentoras do domínio sobre as infraestruturas, processos e recursos necessários para implementar as bases sobre as quais novos modelos podem nascer – ou seja, porque controlam os fatores de produção e podem dar plataforma de crescimento a novas tendências.

Por outro lado, este poder vem com uma responsabilidade. E as empresas sabem disso. O “negócio como uma força do bem” tem, pois, na minha opinião, de ser mais do que apenas uma parangona. Porque isso já não basta.

O próximo passo será, pois, o de passar de Think Tanks para Action Tanks. O de sistematizar a rica partilha de melhores práticas, em guias de orientação para que outras empresas possam seguir os passos da sustentabilidade, de forma simples e com custos razoáveis. O de transformar os erros em terreno fértil de aprendizagem, sem receio de ser visto como um produtor de falhanços – até porque o benefício da credibilidade vem, com mais força, para quem erra e aprende, do que para quem “nunca erra”. Não errar é assumir não ter tentado. Que o washing da comunicação seja, cada vez mais, um sublimar do erro, em vez de uma mera ocultação de “fraquezas”.

Muitas destas empresas e organizações que as agregam em torno de um propósito comum já estão a dar passos neste sentido, muito antes do fenómeno da sustentabilidade, da inovação social ou do empreendedorismo social serem um tópico comum nas nossas vidas. Mas porque o desafio é o alimento da inovação, não quero deixar de deixar 2 sugestões práticas:

- Façam da cooperação e da colaboração mais do que um exercício de montra – criem verdadeiros hubs de colaboração para a ação, sobretudo em áreas que, no mercado, são concorrenciais, para benefício de todos os agentes de um determinado setor, ou de agentes que são interdependentes, por exemplo, dentro da mesma cadeia de valor. Falem, capacitem, troquem ideias. Mas, mais do que isso, criem projetos concretos, verdadeiros consórcios para o bem social e ambiental, que atravessem lógicas concorrenciais, e ponham as vossas forças em ação. É tempo de ação.

- Passem da mitigação de riscos sociais e ambientais para o extramile do Beyond Zero – quanto mais longe for a ambição, mais depressa chegamos ao estritamente necessário. Porque não utilizar os negócios para gerar impacto social e ambiental, muito além dos que são os stakeholders diretos do negócio? Beneficiar o ambiente nos quais os negócios operam é, no longo prazo, garantir que esse ambiente é saudável, forte, informado e equilibrado. Todos beneficiam. Se todos beneficiam, os negócios também o farão. Quem for pioneiro, está na dianteira e será percebido como líder, mesmo que o não seja nos mercados financeiros.

A grande vantagem de o fazermos agora é que ainda não estamos no dia do juízo final. Ainda temos tempo de tomar decisões e ações que podem mudar o rumo. O COP28 convoca-nos a isso. E a realidade é que ainda não temos um meteorito prestes a eclodir na superfície terrestre. Mas o custo de oportunidade de não o fazermos agora, é cada dia maior. Ser um bom gestor é compreender isto, em todas as dimensões do negócio. Numa era em que o longo prazo já não são 10 anos. São 2. Fica o repto.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: