Tem lançado projetos educativos inovadores em Portugal, mas confessa: “ser ministro da educação é aquele emprego que ninguém quer”. Pedro Santa Clara, professor universitário e diretor-executivo da Shaken not Stireed, uma empresa dedicada a projetos inovadores na área da educação, assume não ter uma solução universal para o ensino, mas garante que estamos a atravessar um momento de grande transformação em Portugal, em que a tecnologia nos dá acesso a outras formas de aprender.
Na sua opinião, nesta fase é fundamental poder experimentar e dar os incentivos certos às escolas: “O que o ministro da educação deveria fazer é dar verdadeira autonomia às escolas. Deixá-las experimentar, avaliar os resultados e premiar as melhores”. A educação, tal como qualquer indústria, depende de incentivos. “O que falha no ensino é termos um sistema demasiado centralizado. Comandado a partir da 24 de Julho”. Um diretor de escola não tem direito a contratar os seus professores, a promover os melhores, a pagar-lhes o salário e, no limite, a despedi-los. Portanto, falham todos os instrumentos de gestão. “É fundamental permitir que as escolas sejam geridas de forma eficaz e com os incentivos certos para termos a educação que queremos. Penso que a única autonomia dos diretores das escolas é escolherem os horários. Nem as rubricas do seu orçamento podem selecionar. Se chegarem ao final do ano, com mais verbas para lápis do que para borrachas, terão de comprar lápis”.
As universidades têm um pouco mais de autonomia, sobretudo as que passaram a Fundação. No entanto, as carreiras dos professores continuam a ser rígidas. Não são instrumentos de gestão, mas este é um problema transversal a outras áreas, como a saúde, a defesa ou a justiça. À medida que o sistema se vai cristalizando, há muitas formas de bloqueio à mudança.
Há todo um conjunto de mecanismos, como os sindicatos ou as ordens profissionais, que se vão desenvolvendo para manter o “status quo”. O caso mais paradigmático é a recusa dos professores em serem avaliados. Se pensarmos, qualquer profissão importante passa por avaliações. “Veja-se o exemplo dos pilotos. São avaliados todos os anos. Têm de fazer testes e treinos então, porque não se pode exigir o mesmo dos professores?” Pedro Santa Clara, defende, por isso, a importância de surgirem modelos disruptivos que mostrem ser possível fazer diferente. “A escola 42 é um desses modelos”.
Um bolo de 54 milhões de euros
Corria o ano de 2014, quando foi lançada uma campanha privada de angariação de fundos para construção do Novo Campus da Nova SBE, em Carcavelos. Deve ter sido o maior a ser obtido em Portugal, no valor de 54 milhões de euros. Vítor Gaspar, antigo aluno da Nova SBE, era o ministro das Finanças da altura — elogiou o projeto, mas em tempos de troika não tinha dinheiro para o financiar. Foi então que a experiência norte-americana do professor Pedro Santa Clara, o principal mentor desta empreitada, fez a ideia sair do papel. Teve a iniciativa de pedir donativos a antigos alunos e às empresas.
Pedro Santa Clara faz questão de mencionar que não conhecia ninguém em Portugal. “Estive mais de 15 anos fora do país. Consegui o apoio de 50 empresas, mas bati à porta de mais de 600. Cerca de 2000 particulares também apoiaram o projeto, mas contactei mais de 10 mil. Estamos a falar de uma taxa de sucesso na ordem dos 10%”, o que é bom, até em termos internacionais, mas repete: “fazer fundraising é 90% de transpiração e 10% de inspiração. É preciso teimosia e resiliência. É fundamental ter a capacidade de andar a bater às portas, ouvir nove nãos e continuar a acreditar que ao décimo terá um sim”.
Esta maratona levou-o a dar a si próprio a alcunha de “pedinchas”. Quando questionado se o dinheiro acaba por ir parar sempre às mãos dos mesmos — leia-se dos “padrinhos” - é perentório: “felizmente que não chega às mãos de todos porque senão seria desperdiçado”. E deixa alguns conselhos para quem quiser tentar trilhar o mesmo caminho na inovação social. “Para conseguir angariar dinheiro dos mecenas é preciso ter um projeto muito bem pensado e criar uma equipa capaz de o executar. É o que me orgulho de ter conseguido. Isto é o que nos distingue do panorama de economia social do país”.
Na sua opinião, apesar de em Portugal não existir uma grande cultura de filantropia, ao contrário até da vizinha Espanha, por exemplo, ressalta que há vontade e disposição para doar dinheiro para projetos interessantes e com capacidade de execução.
À boleia pela Galáxia
O nome Escola 42 nasceu da série de ficção científica ‘À boleia pela Galáxia’, criada por Douglas Adams, “em que a população constrói um supercomputador para carregar o segredo da vida e após três milhões de anos, o computador dá a resposta: 42. Isto transformou-se numa piada ‘Geek’”, conta divertido.
A 42 é uma escola de programação fundada em Paris, em 2013. Já formou mais de 18 mil alunos, em 52 campus e está presente em mais de 30 países. O conceito chegou a Portugal através da Shaken not Stireed, pelas mãos de Pedro Santa Clara e da equipa que liderou o projeto do Novo Campus da Nova SBE, em Carcavelos. Já tiveram 50 mil candidatos e entre Lisboa e Porto somam 1000 alunos. No entanto, esta é uma área em franca expansão. “Há uma necessidade de 100 mil programadores em Portugal e cerca de um milhão na Europa”.
A escola 42 é um conceito disruptivo, mas onde a inclusão é a regra. Gratuita para todos os alunos, uma vez que é financiada por mecenas, não exige diplomas, nem médias, nem experiência em programação. Só tem um critério: o aluno ter mais de 17 anos. As candidaturas são online e estão abertas 365 dias por ano. O processo de seleção é feito em duas fases. A primeira passa pela realização de jogos online de memória e de lógica para apurar se o aluno tem apetência para a programação e, a segunda fase, chamada “piscine” é um mergulho de quatro semanas no campus para o aluno conhecer a cultura, as regras e o modelo de aprendizagem da escola.
Não há professores, no entanto, Pedro Santa Clara afiança que há uma vasta equipa pedagógica que desenvolve continuamente a experiência de aprendizagem. Também não há aulas, nem horários. “A 42 é um bom exemplo que nos permite desenvolver modelos pedagógicos mais eficazes. Isto porque sabemos que o ser humano aprende fazendo e aprende na interação com os outros”. É isto que a escola 42 faz, recorrendo a uma plataforma digital que conduz os alunos por meio de uma sucessão de desafios, cabendo aos próprios por si só, ou com a ajuda dos outros, resolver desafios. Podem falhar e tentar novamente até chegarem à conclusão certa. Cada um aprende ao seu ritmo. “Temos resultados muito mais eficazes do que no ensino tradicional”.
Há 1000 anos que o método de ensino passa por ter uma pessoa, o professor, que tem o conhecimento e o passa aos alunos. O paradigma mudou: “O conhecimento está disponível para todos. O conteúdo deixou de ser o foco da educação. A verdadeira chave da educação é a motivação das pessoas em querer aprender”.
De todos os alunos da 42, no mundo, cerca de 50% nunca tinha programado e mesmo assim mais de 80% recebeu uma proposta de trabalho antes de completar o programa. Segundo Pedro Santa Clara, o curso tem 100% de empregabilidade. A 42 promete que ali se aprende a resolver problemas, a superar desafios e a ser responsável por si e pelos outros.
Em França, os alunos que frequentam o ensino da 42 ao completarem o curso recebem o grau de licenciatura, por cá ainda é uma miragem. “Estamos em conversações com a A3ES, agência que dá acreditação aos cursos universitários, mas que tem as mãos-atadas pela legislação que exige critérios como número de horas de aulas por semana. Não temos aulas. Chumbamos logo à partida”. Por isso, defende a necessidade de se mudar este tipo de status quo para poderem florescer outras alternativas.
Para Pedro Santa Clara o diploma da licenciatura é cada vez menos importante porque as empresas são capazes de medir as competências de quem recrutam e não precisam tanto do carimbo de uma universidade para certificar a qualidade. E usa o seu exemplo. “Tirei o doutoramento no INSEAD, uma das mais prestigiadas escolas de negócios do mundo e nunca foi oficialmente uma universidade em França. Tem um MBA famoso, que nunca foi um grau académico francês”.
Uma nova experiência de educação
O TUMO, centro de tecnologias criativas que promove um programa educativo gratuito, inclusivo e voluntário, foi outro projeto promovido pela Shaken not Stirred e liderado por Pedro Santa Clara que garante estar a correr muito bem. O montante de investimento rondará os sete milhões de euros que serão investidos ao longo dos próximos 4 anos. O financiamento também foi conseguido com o apoio de vários mecenas.
O primeiro centro abriu há dois meses, em Coimbra, num antigo edifício dos CTT cedido pela Altice Portugal, mas já estão na calha mais centros para Lisboa, Braga e Porto. O TUMO propõe um ensino complementar ao ensino formal, no qual os estudantes dos 12 aos 18 anos escolhem o que vão aprender.
O programa é presencial, duas horas por semana e baseia-se em atividades de autoaprendizagem, com acompanhamento de monitores, e após aprofundadas as matérias, os alunos fazem workshops práticos e laboratórios de projeto liderados por profissionais especialistas. Os estudantes podem escolher entre oito áreas de aprendizagem: música, animação, robótica, modelação 3D, design gráfico, desenvolvimento de jogos, programação e realização de filmes.
No final do seu percurso, cada aluno tem um portfólio com os trabalhos realizados e um registo individual das suas aprendizagens. O TUMO foi fundado em 2011 em Erevan, na Arménia, onde têm dez centros, mas o conceito tem vindo a crescer pelo mundo. Atualmente, existem 14 centros espalhados pela Europa, em sete países e 25 mil alunos inscritos.
Em 2023, além de Portugal, inauguraram-se novos centros na Alemanha e nos Estados Unidos. Quanto ao futuro, Pedro Santa Clara diz que agora a sua empresa e a sua equipa estão com as mãos cheias de projetos. Por isso, nos próximos anos manterão o foco de “licença para aprender”, tentando fazer justiça ao nome inspirado nos famosos filmes do 007.
'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.