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Inteligência Artificial para a inovação social

Ainda estamos nos primórdios de uma revolução profunda que acredito estar a dar os seus primeiros passos – a aplicação do potencial da Inteligência Artificial ao aperfeiçoamento e aceleração dos modelos de inovação social

Falar em educação nos dias que correm não pode ser separado do diálogo com a tecnologia e com o digital. Por outro lado, e cada vez mais, Escolas e Universidades apostam em desenvolver investigação, ferramentas e programas educativos para a inovação. Uma inovação que se traduza na criação, mensurável, de modelos de soluções criativas, eficazes e sustentáveis no tempo, para desafios sociais, ambientais e económicos, para uma maior sustentabilidade das pessoas e do planeta – a Inovação Social.

Para muitos, a inovação social é mesmo a principal forma de quebrar ciclos viciosos de pobreza e desequilíbrios profundos, com os quais somos confrontados atualmente. Mas ainda estamos nos primórdios de uma revolução profunda que acredito estar a dar os seus primeiros passos – a aplicação do potencial da Inteligência Artificial ao aperfeiçoamento e aceleração dos modelos de inovação social.

E quando se fala em inovação social, não estamos apenas a falar apenas dos modelos disruptivos de empreendedores sociais que, com grande paixão e resiliência, encontram soluções inesperadas para problemas complexos – como é o caso, por exemplo, de um projeto conhecido como “Heroe Rats” (Ratos Heróis), de um monge budista holandês, que treina ratos para detetar minas terrestres em países devastados por guerras de guerrilha, como o Camboja ou o Vietname e que, ao mesmo tempo, conseguem detetar precocemente a tuberculose, doença que ainda mata muitos milhares de pessoas, em vários pontos do Planeta.

Falamos, cada vez mais, de empresas que, com os seus recursos e o conhecimento que têm sobre modelos económicos financeiramente viáveis, incorporam estas metodologias de inovação social nos seus negócios, seja através de social procurement (identificação e contratação de negócios sociais para a cadeia de valor de produção dos seus negócios), ou através da integração da inovação de startups e projetos de inovação social que desenvolvem tecnologias sociais disruptivas, seja ainda, finalmente, através do desenvolvimento de competências empreendedoras dentro da cultura da própria organização, identificando zonas de criação de valor para os seus stakeholders e para a sociedade em geral.

Em Portugal, já temos bastantes exemplos de empresas que os estão a fazer, seja através de fundações corporativas, seja via iniciativas diretamente ligadas aos seus negócios. É o caso da EDP, da Ageas ou da Galp. E muitas outras que começam agora a olhar para esta declinação da inovação como um ponto-chave para ir além do mero compliance com a regulação.

Mas estes processos de inovação social são muito complexos. Apenas porque os problemas que procuram resolver são, também eles, muito complexos, com múltiplas causas, de origem diversa, e com dinâmicas de relação entre diferentes agentes económicos, que obrigam a um trabalho sistémico de análise e de ação. E é justamente no seu ponto mais difícil – no da complexidade das variáveis dos problemas sociais e ambientais – que a Inteligência Artificial pode fazer toda a diferença.

Através da sua capacidade de análise de uma grande quantidade de dados, em muito pouco tempo, a IA pode, não somente ajudar a identificar desafios sociais e ambientais que precisam de soluções inovadoras, como inclusivamente detetar padrões e tendências que permitam antecipar problemas emergentes. Mas também no desenho das soluções, esta tecnologia pode fazer a diferença.

A inovação nasce, maioritariamente, da combinação de várias ideias e ingredientes de modelos distintos, muitas vezes de áreas e setores bem diversos. A Inteligência Artificial pode também ser útil na identificação de conexões e associações entre diferentes conceitos, ideias ou contextos, que depois alimentarão a criatividade dos inovadores sociais.

A verdade é que ainda agora começámos a navegar esta onda, em várias aplicações desta tecnologia, e acredito que, na inovação social, ela vai ter um papel crucial, representando uma oportunidade única para, entre outras coisas, acelerar a convergência para a Agenda 2030 e para o que se lhe seguirá.

E se houver ainda algum ceticismo quanto a esta tendência – o que até consigo compreender, face à natural resistência que existe em relação a tudo o que é radicalmente inovador - é agora a altura certa para desenhar, criar e estabelecer as regras do jogo. Foi também por isto, que uma empresa chave no panorama global, muito centrada na inovação, como a Google criou, em maio deste ano, o Fundo Google.org para a Inovação Social através da Inteligência Artificial. Um fundo de 10 milhões de euros, que oferece também mentoria e suporte às entidades financiadas, e que visa pôr um turbo na aceleração e escala de soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais.

É caso para dizer – se não agora, quando? Se não nós, quem? E tudo começa na educação.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: