Ser ou não ser

Raquel Sampaio: “É preciso estabelecer regras de trabalho e respeito pelo repouso, não há justificação para enviar e-mails à uma da manhã”

Diretora executiva da Direito Mental, Raquel Sampaio fala da importância da saúde mental nas empresas e de quanto estas podem poupar em absentismo e falta de produtividade quando sabem medir o bem-estar das pessoas na organização. “Todos os dias sinto estigma, inclusive de mim própria, mas a partir do momento em que comecei a falar abertamente do meu problema mental, a vulnerabilidade passou a ser uma força”, afirma. Oiça aqui o episódio do podcast Ser ou não ser

José Fernandes

Criou a Direito Mental, associação focada na promoção mental na comunidade jurídica portuguesa, por calçar os sapatos de quem sente a necessidade de refrear a mente. A doença mental colou-se à sua pele, mas Raquel Sampaio nunca a deixou ser mais do que uma espécie de fato que se vai mudando conforme o tempo. Um dia chove, outro faz sol. Tal como na sua vida; um dia chora, outro ri. Outro tem medo, outro é muito feliz... E, por viver neste limbo de emoções, resolveu ajudar outros.

A diretora executiva da Direito Mental sempre pediu ajuda. Desde os 15 anos. Lembra-se de pegar no cartão da ADSE e marcar uma consulta com um psicólogo. Os exemplos na sua casa fizeram-lhe soar uma campainha de alarme. Nunca deixou que a doença vencesse. Mas nem todas as pessoas têm esta coragem. Porém, o primeiro passo para dar a volta a um problema mental é “falar, falar, falar...”, aconselha.

“Todos os dias sinto estigma, inclusive de mim própria, mas a partir do momento em que comecei a falar abertamente do meu problema mental, a vulnerabilidade passou a ser uma força”. Dizer que há dias que não se consegue levantar da cama não é fácil. Raquel Sampaio sabe que ao falar de si é uma forma de abrir a porta a quem está também em sofrimento e teme tocar no assunto. A doença mental ainda é um estigma, apesar de recentemente e principalmente após a pandemia, ter vindo para cima da mesa, com várias pessoas do mundo empresarial a darem o seu testemunho. Sem medo! Caso do todo-poderoso banqueiro António Horta Osório que salvou o banco britânico Lloyds, mas não evitou um burnout; ou do super advogado João Vieira de Almeida que confessou que chegava ao escritório e nas primeiras duas horas não parava de chorar.

A Direito Mental realizou um estudo em colaboração com o ProChild CoLAB e o Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Este contou com a participação de 823 profissionais de todo o país e concluiu que mais de um terço dos advogados em Portugal, cerca de 35%, não voltaria a escolher a profissão. A maioria reconhece ainda que a sua atividade interfere na sua participação em atividades familiares (55%), além de que 34% dos inquiridos foi diagnosticado com alguma perturbação de saúde mental do passado. Para Raquel Sampaio, os números mais preocupantes foram os da ansiedade (51%) e o facto de 15% dos inquiridos ter tido pensamentos suicidas nos dias anteriores a este questionário.

José Fernandes

Porém, o mais preocupante são os alunos de direito. “A ansiedade na faculdade de direito começa logo à entrada do primeiro ano. Como vou conseguir o estágio de verão? Isto é preocupante!”. A ansiedade instala-se porque a competitividade começa aí. A má notícia é que não melhora para quem não entra para uma sociedade de advogados ou segue a carreira de jurista (trabalhar nas empresas). Isto porque o modelo de negócio na advocacia não mudou. “Os advogados vendem horas. Quem trabalha de forma individual chega ao final do mês sempre com a incerteza de quanto ganhará. Isto cria ansiedade”. Depois há uma identidade completa entre o profissional e a pessoa, além de ser um trabalho altamente desgastante em termos intelectuais. E pesado. Mas este é um problema transversal a mais profissões.

Aliás, o II relatório “Custo do stress e dos problemas de Saúde Psicológica no Trabalho”, da Ordem dos Psicólogos Portugueses, revela que estes problemas de saúde estão a custar às empresas portuguesas até 5,3 mil milhões de euros por ano — refletidos em absentismo e quebras de produtividade. A aposta em saúde mental nas empresas pode reduzir a perdas de, pelo menos, 30%. Para Raquel Sampaio esta pode ser a via para sensibilizar as organizações. “Esta é uma linguagem que as empresas entendem. A dos números! Estamos a perder dinheiro? Então como vamos dar a volta?” É fundamental as empresas olharem para dentro e criar metodologias de ajuda aos colaboradores.

“Vivemos na tirania da produtividade. Temos de produzir para ter valor. As gerações anteriores valiam por aquilo que iam fazer”. Raquel Sampaio relembra a frase de uma amiga que lhe dizia: “Já acordo atrasada!”. Para a diretora executiva da Direito Mental esta é a prova de que se vive com listas pendentes e que isso afeta a nossa vida pessoal. Até na hora do descanso. E isto tem de mudar. “As empresas devem comunicar regras com os clientes como, por exemplo, não enviar emails de trabalho após as 18h”.

Quanto aos trabalhadores, Raquel Sampaio diz que não devem empurrar com a barriga quando começam a ter determinados sintomas. A doença mental é silenciosa. Vai minando como uma aranha que faz a sua teia. Um dia sente-se cansaço. No outro, exaustão. Depois, vem o esgotamento completo. Tudo numa ordem crescente. Por isso, Raquel Sampaio deixa um último conselho: “falar, falar, falar...”

'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.