Pediram-me para eu explicar, neste breve espaço, o que é o off the record na política e no jornalismo portugueses. Não encontrei melhor maneira do que contar uma história que se passou há muitos, muitos anos. Qualquer relação com eventuais assuntos que estejam hoje na ordem do dia é mera coincidência e desde já rejeito qualquer responsabilidade. Daqui para a frente, tudo o que escrevo é em off.
Um dia, certo membro de um gabinete de um homem muito influente neste país acercou-se de um jornalista e perguntou-lhe se queria conhecer todos os segredos da política do país. O jornalista disse que sim. Mas a fonte colocou uma condição: tudo deveria passar-se em rigoroso off. E o jornalista disse que sim, que saberia tudo, embora ficasse a saber tudo em off. Então, esse membro de um gabinete de um homem importante disse tudo: o que este e o outro faziam, o que aquele ganhava, o que o outro traficava, o que aqueloutro mentia, e, de um modo geral, mostrou que estava tudo mal e que tudo precisava de levar uma grande volta, porque - enfim - estava tudo errado!
- E agora escreva isso mesmo!
Mas o jornalista perguntou-lhe:
- Como posso escrever se o senhor membro do gabinete me disse tudo em off? Quem posso citar?
- Cite a Oposição...
- Mas se o senhor não é da Oposição, como posso eu citar alguém da Oposição?
- Você é parvo? - O jornalista era um bocadinho. E o do gabinete continuou: - Se eu lhe disse que isto é em off é para você não me atribuir essas revelações a mim, mas sim a outra pessoa. Deste modo, eu cumpro os meus objectivos sem ninguém perceber que sou eu quem está por detrás da maquinação, compreende?
O outro disse-lhe que compreendia, mas insistiu:
- Mas depois vão pensar que a maquinação é de alguém da Oposição...
E o membro do gabinete atalhou:
- E isso é mau? Quer dizer, isso chateia alguém? Não chateia quem é citado, porque está a dizer mal do Governo, e a Oposição gosta de dizer mal do Governo... e não me chateia a mim, porque ninguém vai pensar que, atribuindo umas ideias a alguém da Oposição, eu possa estar envolvido. É ouro sobre azul.
O jornalista ainda objectou:
- Mas é mentira!
- Ah, você chegou de Plutão? Não sabe que a mentira é uma coisa relativa? E, na verdade, não é mentira, uma vez que, estando eu a dizer-lhe estas coisas, estou a actuar em benefício da Oposição, pelo que posso ser classificado neste momento como uma fonte da Oposição.
Baralhado, o jornalista insistiu:
- Se eu publicar isto amanhã, qual vai ser a sua reacção?
- Um desmentido total e absoluto, dizendo que isso é uma maquinação de gente sem escrúpulos!
- Mas foi você que me disse isto tudo!
- É off, você não se esqueça que é off!!!
- Mas consegue desmentir uma coisa que foi você mesmo a dizer?
- Claro, qual é o problema?
- A consciência?
- Não tenho. De qualquer forma, não se esqueça, denuncie-me esses podres, espalhe a dúvida e não leve a mal o desmentido que vou fazer. Já o tenho aqui escrito e é de rebimba o malho!
E assim foi.
Texto publicado na edição da Única de 27 de Março de 2010