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Ensaio

Uma verdadeira e coerente doutrina animalista teria de humanizar todas as vidas animais, a começar nos piolhos

Muitos pessoas da cidade (sempre da cidade) ficam chocadas com a ideia de comermos coelho. Argumentam que é um animal “fofinho” (tal como o cabrito, por exemplo). Esta ligação emocional aos animais antropomorfizáveis é a base sentimental e eleitoral do animalismo. Porque é que o piolho não recebe esta atenção? Ensaio de Henrique Raposo sobre a humanização dos bichos

Henrique Raposo (texto) Alex Gozblau (ilustrações)

Na quinta dos meus pais, as cabras já pariram os cabritos. Temos o “Ping” e a “Pong”, gémeos, e o “Branquinho”. Os nomes, dados pelas minhas filhas, e a consequente humanização dos bichos colocam em cima da mesa da Páscoa um dilema que seria incompreensível para as gerações antigas: assamos ou não assamos os cabritos em abril? No passado, a mera formulação da pergunta seria motivo para chacota ou razão para palmadas. O cabrito era carne, proteína, sustento. Os tempos, porém, são outros. Na relação entre homem e fauna, há de facto uma mudança em curso gerada por duas forças antagónicas: o capitalismo agropecuário, por um lado, e uma sensibilidade citadina cada vez mais mergulhada na compaixão pelos animais. Porque é que o “Branquinho” e o “Ping” já não são vistos como chibos para o forno? Porque a abundância de carne produzida pelo tal capitalismo fornece-nos a necessária dose de proteína animal através dos anónimos pedaços de carne que aparecem no supermercado; com essa necessidade carnívora e proteica preenchida por este sistema capitalista, nós ficamos livres para humanizar os cabritos. Portanto, o animalismo citadino, que odeia o capitalismo agropecuário, só é possível devido à ação desse mesmo capitalismo agropecuário. Nas velhas sociedades rurais e sem este sistema de produção, o animalismo não era possível. Aliás, mesmo hoje em dia, o animalismo é desprezado pelas pessoas do campo, que continuam a olhar para o “Ping” e para o “Branquinho” como um adereço fundamental do forno pascal.

Seja como for, e apesar desta enorme fragilidade ou hipocrisia da sensibilidade animalista, é preciso colocar uma questão. Não temos de ser animalistas para perguntar o seguinte: o que devemos a um cabrito? O que devemos moralmente a um cabrito? Ou a um coelho? Ou a um morcego? Ou a um pinto?

A pergunta deste ensaio segue assim a pergunta que Thomas Nagel pôs na “New York Review of Books”: O que devemos a um coelho? (What we owe a Rabbit?). O coelho, por acaso, é outro animal que se come na quinta e que me leva a outra contradição do animalismo vigente. Muitos pessoas da cidade (sempre da cidade) ficam chocadas com a ideia de comermos coelho. Argumentam que é um animal “fofinho”. Esta “fofura” esconde a imensa arbitrariedade antropocêntrica do tal animalismo, uma ideologia que se diz protetora dos animais, mas que na verdade revela um enorme antropocentrismo: aquele “fofinho” quer dizer “domesticável”. Um cabrito é domesticável. Um coelho é domesticável. Estes animais fofinhos, domesticáveis e antropomorfizáveis são aqueles que recolhem o sentimento dos urbanistas animalistas, a par obviamente dos cães e gatos. Esta ligação emocional aos animais antropomorfizáveis é a base sentimental e eleitoral do animalismo. Porque é que a galinha não recebe esta atenção? Porque é que um pássaro, um réptil ou um peixe não recebe esta atenção? Porque é que a ingestão de um jaquinzinho não causa tanta repugnância como a ingestão de um coelho? Como diz o cientista Vasco Barreto na última edição da revista “Electra”, até um animalista radical “salvaria uma pessoa saudável ainda que para isso tivesse de sacrificar uma galinha”. Os animalistas só nos dizem que temos de sacrificar a pessoa e não o animal quando essa pessoa “sofre de algum tipo de limitação mental profunda” e quando “a galinha é substituída por um chimpanzé”. Isto acontece porque o animalismo, até na sua versão mais radical, não deixa de ser uma arbitrariedade da sensibilidade humana: se estiver perto ou dentro do nosso círculo íntimo, o animal x é humanizado e protegido; se estiver fora desse círculo antropomorfizável devido à sua fisionomia mais grotesca, o animal y não é humanizado e logo não é protegido.

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