Ao longo deste confinamento em Lisboa (que certamente não será o último), enquanto procuro, a custo, abrir caminho por entre as minhas lacunas na literatura portuguesa, tenho passado muito tempo a pensar na mulher que me ensinou as primeiras línguas que aprendi: inglês e alemão. Esta mulher não era a minha mãe: era uma refugiada da Alemanha, contratada pelos meus pais como minha ama quando eu tinha apenas meses de idade. Chamava-se Ellin Slonitz e tinha fugido da Alemanha nazi com os seus pais, a sua irmã e o seu irmão, logo depois de a velha sinagoga de Estugarda ter sido incendiada durante a Noite de Cristal. O pai dela era um engenheiro checo que emigrou para a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. A Ellin nasceu a 22 de novembro de 1914, em Rotenburg an der Fulda, Hesse. Morreu na Florida, a 8 de março de 1995, quatro meses depois de completar 80 anos.
Nasci em Buenos Aires, mas, quando o meu pai foi nomeado embaixador em Israel, era eu ainda bebé, mudámo-nos para Telavive, para uma casa construída recentemente, em Trumpeldor Straße. Eu e a Ellin ficámos na cave: uma grande divisão cujas janelas eram quatro pequenos retângulos perto do teto, através dos quais eu via uma nesga de céu e a relva do jardim quadrado lá fora. As quatro palmeiras que havia no meio do relvado não se viam das minhas janelas, e eu experimentava sempre grande surpresa ao dar com elas, quando a Ellin me levava para brincar no jardim; parecia que estava à espera de que elas desaparecessem quando eu dormia. A redescoberta diária da presença das palmeiras reconfortava-me muito.
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