Opinião

Mais do que uma indemnização: o que está em causa após a tragédia do Elevador da Glória

O acidente do Elevador da Glória levanta questões centrais sobre responsabilidade civil, seguros e a forma como o Estado e as instituições respondem em tragédias coletivas

A tragédia do Elevador da Glória, ocorrida em Lisboa no início deste mês, deixou o país e o mundo em choque. Um dos ícones turísticos da cidade de Lisboa transformou-se, em poucos minutos, no cenário de um dos acidentes mais graves de que há memória na capital.

Passados os primeiros dias, que se desdobraram em testemunhos de quem assistiu ao acidente, reações públicas de políticos e governantes, e as primeiras investigações técnicas, incluindo o relatório preliminar da investigação divulgado este fim-de-semana pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Ferroviários (que, numa primeira análise, revela um problema no cabo que unia as duas cabinas e ainda um sistema de travagem insuficiente), passamos, ainda que lentamente para a fase seguinte. E, com naturalidade, começam a surgir outras perguntas, a que urge responder: quais as consequências deste acidente para as vítimas? Quais os seus direitos enquanto lesados ou, no caso das mortes, quais os direitos dos respetivos herdeiros?

É neste ponto que o Direito assume o seu papel. Não apenas como um meio para assegurar um sistema de normas, mas como instrumento capaz de traduzir em ações concretas aquilo que nós, enquanto sociedade, reconhecemos como justo. O direito à indemnização, nestas circunstâncias, é mais do que uma mera compensação económica de algo que não se compensa.

De forma ainda muito teórica, em tese, e cingindo-nos apenas à responsabilidade civil, deixando de parte a responsabilidade criminal e a responsabilidade política, poderemos e deveremos estar em presença de vários mecanismos de transferência de responsabilidade civil das instituições envolvidas para Seguradoras, ou, caso tal não se verifique, deverão responder diretamente as instituições envolvidas e cuja responsabilidade se venha a apurar ainda que apenas objetivamente, ou seja, independentemente da demonstração da culpa.

Assim, a empresa operadora do funicular possuirá um seguro de responsabilidade civil para transporte coletivo de passageiros, com valor acima do mínimo legal contratado, segundo se sabe, junto da Fidelidade. Esse seguro, grosso modo, visará cobrir indemnizações por morte e ofensas à integridade física. Os valores indemnizatórios serão distintos em função da situação concreta de cada vítima. Em casos de morte, para além do valor a indemnizar o direito à vida, em média fixado pela jurisprudência em montantes entre os 100.000,00€/150.000,00€, haverá a

ter em conta danos não patrimoniais do próprio pela eventual perceção da morte, danos não patrimoniais dos herdeiros pela perda do seu familiar e ainda, quando haja lugar, os danos patrimoniais na esfera jurídica do agregado familiar que são consequência da perda de rendimentos. Em casos de feridos, e naturalmente dependendo da gravidade das lesões, as indemnizações são pagas diretamente à vítima e variam muitíssimo em virtude do grau de incapacidade de que as mesmas possam vir a ficar afetadas após a alta clínica. Esta indemnização destina-se a ressarcir danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo próprio pela superveniência de uma incapacidade anteriormente inexistente, assim como todas as despesas que teve e passará a ter com assistência futura, adaptação de carro, adaptação de casa, ajuda de terceira pessoa, enfim… uma imensidão de possibilidades.

Evidentemente, e não obstante a aplicabilidade da lei portuguesa, o facto de estarmos em presença de vítimas de variadas nacionalidades exigirá um trabalho de compatibilização algo complexo, especialmente tendo em conta os variadíssimos e possíveis seguros nos seus países de origem, sejam seguros de acidentes de trabalho, caso não se tratassem de vítimas em turismo, mas em trabalho; seguros de viagem, na opção de, justamente, serem turistas; algo que, desde logo, pode até dar origem a indemnizações ao abrigo de diferentes ordenamentos jurídicos.

Agora, as vítimas e os seus familiares entram na fase de recolha de documentação, apresentação de provas, formulação de pedidos. Vão, possivelmente, ser chamadas a participar em inquéritos, expor detalhes da sua perda e negociar montantes e condições em cenários difíceis.

Quando estão em causa vítimas mortais e familiares afetados, a dimensão humana do processo de regularização torna-se central. A forma como as instituições (públicas e privadas) respondem é, por si só, uma afirmação de valores.

A disponibilização de informação clara, o apoio psicológico e logístico aos afetados, e a articulação com serviços consulares (particularmente importante dado o número de vítimas estrangeiras), são algumas das respostas essenciais que dão segurança e previsibilidade às vítimas. Para além disso, o acompanhamento do estado dos processos e o encaminhamento para os serviços jurídicos e sociais relevantes, podem permitir às famílias o reconhecimento de algum sentido de justiça no meio de uma tragédia coletiva.

É fundamental indemnizar, apurar responsabilidades e corrigir falhas. E é igualmente importante assegurar que as vítimas e os seus familiares são tratados com dignidade e acompanhados com empatia. Porque, no fim, mais do que cumprir a lei, o que está verdadeiramente em causa é preservar a humanidade de cada vida tocada por uma tragédia que nunca deveria ter acontecido.