Opinião

A Europa acredita no Pai Natal

A União Europeia precisa de se proteger da Rússia, desviar da China e autonomizar dos Estados Unidos. Isso obriga a escolhas. Amanhã, no discurso do Estado da União, Von der Leyen vai prometer muito. Demasiado, provavelmente

Amanhã, no discurso do Estado da União (SOTEU), Ursula Von der Leyen vai anunciar as prioridades políticas da sua Comissão Europeia para o próximo ano. Como de costume, vai parecer uma árvore de Natal num jardim infantil.

O discurso do Estado da União foi uma boa inovação de José Manuel Durão Barroso, em 2010. Mas o que começou por ser um sinal de responsabilidade política está transformado numa avalanche de prioridades, numa inundação de desígnios e na promessa de um terramoto legislativo. Tudo para agradar a todos. O que, além de impossível, é indesejável.

A Europa enfrenta um dos maiores e mais inéditos desafios. Uma associação entre Estados que foi feita para evitar novas guerras entre os seus membros e promover a prosperidade económica regional, e várias outras coisas para os vários países que entretanto foram aderindo, tem agora uma nova missão: garantir a prosperidade e segurança da Europa num mundo de novo competitivo, instável, inseguro e com alianças frágeis ou mesmo desfeitas.

O mundo da Europa da União Europeia nunca foi tão hostil. Temos um vizinho forte e belicoso, um competidor e rival no outro lado do planeta, de quem dependemos em importações tanto fúteis como essenciais, e temos a nossa aliança fundamental em crise, para ser eufemístico. Num mundo assim, precisa-se de sentido de orientação, clareza, capacidade de mobilização e resultados. Tudo coisas que não se conseguem quando se quer ter tudo. E se promete mais ainda.

No último ano e meio, Sauli Niinistö, Enrico Letta e Mario Draghi entregaram aos líderes europeus três extensos relatórios sobre o que a Europa precisa de fazer para ter mais segurança (e defesa), mais mercado interno e ser mais competitiva. São centenas de páginas. Em cima dessas, a Comissão foi publicando algumas iniciativas políticas e legislativas e várias promessas de muitas mais. Uma listagem incompleta do que a Comissão Europeia promete fazer até 2029 ocupa mais de cem páginas. Cem páginas. Com planos, actos, estratégias, prioridades e pacotes.

Claro que para ter a Europa mais segura, mais competitiva e economicamente mais integrada, há muita coisa que precisa de ser feita. E é sabido, particularmente em Bruxelas, que a Europa tem de agradar a alemães e franceses, mas a italianos, cipriotas, portugueses, finlandeses e belgas também. O que implica que fazer cedências, compromissos e dar um pouco a cada um é da natureza da União Europeia. E no dia em que o deixar de ser pode deixar de haver UE. Ninguém quer cá estar contra os seus interesses. E é aqui que entra o Estado da União.

As centenas de páginas de relatórios não precisam de se traduzir em outras tantas centenas de páginas de iniciativas. A Comissão Europeia devia ter pegado nos relatórios que a Comissão e o Conselho (os governos) encomendaram e, em coordenação com os governos e os deputados europeus, feito uma lista realista das dez ou vinte coisas mais importantes para garantir a segurança, a prosperidade e a autonomia da União Europeia, falado com os interessados e começado a negociar com os governos e o Parlamento Europeu as coisas mais importantes. Que não podem ser todas.

Esta quarta-feira devia ouvir-se em Estrasburgo quais são as cinco coisas mais consequentes que a Comissão pode propor e acredita, fundamentadamente, que os governos nacionais e os deputados europeus estão disponíveis para aprovar no próximo ano, para fazer a Europa mais competitiva, mais segura (militarmente e não só) e mais autónoma.

Os líderes europeus, sobretudo em Bruxelas, acham que a Europa tem de ser próxima dos cidadãos. Tem de lhes falar ao coração e estar perto das suas preocupações. O que parece uma boa ideia. Mas não é. A Europa não tem de ser tudo, e não tem de ser uma história de amor e gratidão. A Europa tem de ser útil. Se for, os europeus vão gostar. Se for propaganda, vai ser expectativa a mais. Um balão. E os balões tendem a rebentar.