A guerra na Ucrânia não é apenas um conflito territorial: é um laboratório vivo de inovação tecnológica em tempo real. Entre as muitas lições que emergem do campo de batalha, destaca-se a centralidade estratégica dos sistemas não tripulados (drones) como instrumentos de soberania, dissuasão e inovação dual-use (para fins civis e militares). Portugal, enquanto membro da NATO e da União Europeia, não pode ignorar esta transformação.
A Ucrânia, confrontada com a obsolescência do seu complexo industrial militar herdado da era soviética, optou por uma abordagem radical: descentralizou o desenvolvimento de capacidades, criou um orçamento paralelo para tecnologias emergentes e confiou no setor comercial para liderar a inovação. O resultado? Um ecossistema ágil e competitivo, onde as empresas colaboram diretamente com unidades militares para desenvolver, testar e implementar drones em ciclos de apenas semanas.
Portugal tem, historicamente, adotado uma postura prudente no que toca à inovação militar. No entanto, a dependência de fornecedores externos para capacidades críticas — desde vigilância marítima até à resposta a incêndios florestais — expõe vulnerabilidades que não podem ser ignoradas.
É imperativo termos um Plano Estratégico Nacional para Drones e Tecnologias Autónomas, com forte componente dual-use, que possibilite uma transformação profunda na forma como Portugal encara a inovação em defesa e segurança. A criação de um orçamento dedicado e flexível permitirá aquisições diretas por unidades operacionais. O lançamento de um Programa Nacional de Inovação em Drones (PNID) fomentará a colaboração entre utilizadores e empresas tecnológicas através de plataformas digitais e desafios abertos. Paralelamente, é fundamental apoiar a incubação e o desenvolvimento de novas empresas e consolidar as existentes – Tekever, Beyond Vision, entre outras –, com hubs regionais nomeadamente em Guimarães, Évora e Ponte de Sôr, que visem consolidar um ecossistema industrial competitivo e descentralizado.
A estratégia deverá incluir ainda a integração ativa com programas europeus e da NATO, posicionando Portugal como país piloto para testes de interoperabilidade. A formação técnica e superior será reforçada em áreas como engenharia de drones e IA aplicada à defesa, em articulação com universidades e as Forças Armadas. Por fim, a utilização dos instrumentos criados, como as Zonas Livres Tecnológicas | ZLT, para o desenvolvimento de um quadro regulatório ágil que permita testes rápidos e seguros em espaço aéreo nacional, assegurando simultaneamente a cibersegurança e a compatibilidade com redes aliadas. Esta implementação visa garantir a soberania tecnológica nacional e maximizar o impacto dual-use das tecnologias autónomas.
A vantagem dos drones não reside apenas na sua eficácia militar. Em Portugal, onde os desafios ambientais são tão críticos quanto os de defesa, os drones podem ser instrumentos de soberania climática: monitorização de incêndios, vigilância costeira, controlo de fronteiras, apoio à agricultura de precisão e resposta a desastres naturais. A aposta em tecnologias de dupla utilização permite maximizar o retorno do investimento público, fomentar a indústria nacional e reduzir a dependência de fornecedores externos — muitos dos quais sujeitos a restrições geopolíticas.
A soberania no século XXI já não se mede apenas em tanques ou fragatas, mas na capacidade de integrar tecnologia, talento e território numa visão coerente de segurança nacional. Os drones são a expressão mais visível desta nova soberania. A Ucrânia demonstrou algumas possibilidades interessantes. Portugal deve agora decidir se consegue potenciar a sua base tecnológica e garantir a sua soberania em terra, no mar, no ar e no digital.