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Opinião

O cansaço, ele mesmo

Isto nunca vai mudar. Nunca. Nunca será diferente. Os incêndios são o maior empurrão de barriga de qualquer Governo

Gosto de palavras. Gosto da particular riqueza da língua portuguesa, da profusão de adjectivos e substantivos. A primeira palavra que me ocorreu para o que hoje quero escrever foi “tédio”, mas rapidamente percebi que não se adequa. Não é exacta e, sobretudo, não é suficiente. Seria, certamente, a minha cabeça a ir buscar mais um dos recorrentes pedaços de literatura que me moldaram. Leituras que me apanharam pelo pescoço e que até hoje viajam comigo, sei lá eu se servem para alguma coisa, coisa de útil, quero dizer, ou se são apenas bagagem que já não me deixará mais, como as pedrinhas no bolso do Ruy Belo. E pensei em tédio, tenho a certeza, porque sempre que ouço a palavra ouço a agulha baixar sobre o disco de vinil de casa dos meus pais e ouço o João Villaret ao vivo no Teatro São Luiz estrondear os grandes poemas da língua-mãe. E sempre que ouço ou leio “tédio” é logo ao monumental pedaço de António Nobre que regresso, e fecho os olhos para escutar, mais e mais uma vez, Villaret dizer, naquela magnífica e nunca suplantada inércia fingida, “o tédio, o tédio, ah, sobretudo, o tédio, o mês em que estamos igual ao que passou e ao que há-de vir, ódios, ambições, faltas de honra, vaidades”.